Resenha: A Morte de Ivan Llitch – Liev Tolstói

Arthur Schopenhauer,  certa vez escreveu: “a morte é a musa da Filosofia”. Durante a leitura de Ivan Ilitch, esta frase, muitas vezes surgiu em minha mente, pois o foco da narrativa é justamente a morte, que é analisada de maneira reflexiva e com bastante profundidade. Aliás, curiosamente, sabe-se que Tólstoi foi grande leitor de Schopenhauer, e teve considerável influência do pensador alemão em sua vida.

Ivan Ilitch foi escrito em 1886 e muitos críticos e estudiosos da Literatura consideram que seja a obra mais importante de Tolstói. O livro, conforme já mencionado no início deste texto, centra-se na morte, e exibe a vida de um personagem que adoece subitamente e enfrenta lenta e dolorosamente o seu fim. Este enfoque é trabalhado por Tolstói de maneira reflexiva, dando uma aura filosófica para a história. A história inicia-se apresentando alguns personagens que trabalharam com o protagonista Ivan Ilitch, e que logo nas primeiras páginas, são informados da morte deste seu companheiro de trabalho. Neste momento, surge um dos pontos cruciais do livro: a hipocrisia, aspecto que será explorado por Tolstói em todo o restante da obra. Todos os funcionários que trabalhavam com Ilitch, começam, mentalmente e inevitavelmente, a matutar sobre quem irá assumir o almejado cargo do falecido. Além disso, preparam-se, contra suas vontades, para comparecer ao velório de Ivan Ilitch, embora não pretendam ir para se despedir do colega, mas somente para cumprir os deveres sociais que suas posições lhes impõe (isto é, são todos hipócritas). Durante o velório, Piotr Ivanovich, um dos homens que trabalhava com Ilitch tem uma conversa longa com a viúva, chamada Praskovya. A mulher lhe conta sobre como acompanhou o sofrimento do marido.

O homem não dá muita importância ao relato, ele apenas deseja que o tempo passe para livrar-se daquele obrigação enfadonha e daquela mulher resmungona. Porém, de repente, por um súbito momento, Ivanovich sente-se horrorizado em relação à terrível doença que tirou a vida de Ilitch: “Ora, isso pode acontecer comigo, de uma hora para a outra” (p. 15). Mas quando este pensamento ameaçou tornar-se um martírio, ele tranquilizou-se e distraiu-se:”como se a morte fosse uma fatalidade à qual somente Ivan Ilitch estivesse sujeito e ele não” (p. 16). Esta passagem merece ressalva, pois posteriormente, o leitor notará que Ilitch assombrou-se com o mesmo tipo de pensamento… E a ideia de finitude, que para ele parecia tão distante, aproximou-se e o agarrou mesmo contra a sua vontade.

Mas Ivanovich segue a conversa com a ponte viúva e poucas páginas após o ocorrido, Tólstoi conduz ao leitor à uma volta ao passado para apresentar quem, de fato, foi Ivan Ilitch, e como ele enfrentou a doença e a morte. A primeira frase da primeira página que começa a narrar a vida do protagonista, é de grande relevância: A história de vida de Ivan Ilitch foi das mais simples, das mais comuns, e portanto, das mais terríveis” (p. 19). Realmente, a vida do personagem não teve nada de tão extraordinário. Ele teve uma infância tranquila e agradável, formou-se com êxito no curso superior de Direito, casou-se, teve filhos e conseguiu um emprego através do qual exerceu notavelmente sua profissão, e que lhe pagou o suficiente para que levasse uma vida luxuosa. Este padrão de vida tornou Ivan Ilitch um grande hipócrita. Um homem falsificado, cheio de obrigações e deveres sociais que serviam apenas para que ele pudesse sustentar uma imagem adequada aos moldes exigidos por outras pessoas. Sua esposa seguia o mesmo trilho, e seu casamento (que também era uma grande farsa) era um total fracasso. Mas a rotina costumeira foi, certa vez, interrompida por um incômodo abdominal e um gosto ruim na boca.

Estes sintomas eram o prelúdio de uma doença que condenaria Ivan Ilitch. No início, ele não imagina que o fim estava tão próximo. Porém, a persistência das incômodas sensações físicas e a falta de respostas definitivas por parte dos médicos, o levaram, cada vez mais, a considerar a possibilidade de que ele estava morrendo. Para ilustrar a repulsa e revolta que o protagonista tinha para com a morte, o próprio Ilitch, mais pra frente, no livro, transpõe este seu referido tormento num silogismo que diz ter aprendido certa vez: “Caio é um homem, os homens são mortais, logo, Caio é mortal”. Esse jogo de lógica filosófica sufoca Ivan: a morte é de Caio, mas não dele. “Parecerá-lhe a vida todo muito lógico é natural de aplicado a Caio, mas certamente não quando aplicado a ele próprio”. (p. 63). Ele teve dificuldades em aceitar o fato, mas, em certo momento, percebeu que não havia mais contra o que lutar. A morte havia chegado, e com ela, muitos sentimentos vieram. Primeiramente, ele se sentia frustrado pelo fato que acreditava que toda a família e amigos que o visitavam, eram hipócritas.

Ele estava certo. Sua fúria se dava, especialmente contra a detestável esposa. Mas esse sentimento eclodiu também contra ele próprio, pois em certo momento, deitado no sofá, abatido e fraco, Ivan Ilitch percebeu que sua vida inteira foi um erro. Ele só havia sido feliz quando era criança, e depois, foi acometido por uma série de angústias que se disfarçavam em atividades cotidianas: “assim como a dor piora cada vez mais, minha vida toda foi progressivamente piorando. Há um ponto de luz lá longe, no início da vida, mas, depois disso, tudo foi afastado-se cada vez mais, em proporção inversa à distância que me separa da morte”. (p. 93). Quanto mais refletia, mais sofrimento sentia. E este sofrimento vinha mais de sua alma do que dá dor física que a doença emanava. Enquanto meditava, Ivan Ilitch percebeu também que “a solução para o enigma da vida e da morte era algo impossível de encontrar”. (p. 90). Mas ainda assim, mesmo tendo consciência deste fato, as dúvidas insistam em pairar por sua mente inquieta, e torturá-lo pela falta de respostas.

Ivan Ilitch morreu assim, tendo percebido o quanto desperdiçou tempo com exigência da classe alta à qual pertencia. Morreu cercado por mentiras que provinham de amigos e familiares. Morreu cheia de indagações que o martelavam e tumultuavam impiedosamente. Morreu aos berros: menos pelo sofrimento físico, mais pelo martírio espiritual. Morreu como Caio, pois ambos, no final das contas, eram mortais.

Ficha Técnica:

Editora: L&PM
Coleção: L&PM Pocket
Ano de lançamento: 2014.
Tradução: Vera Karam.