Amor

NÃO É DE TEMAS DELICADOS QUE TRATA AMOR, novo filme de Michael Haneke, como vem anunciando a imprensa quando tenta caracterizar esta nova produção, procurando delinear diferenças com os temas recorrentes em sua filmografia. Não é um filme que fala (apenas) de amor. Novamente vemos os personagens criados por Haneke sendo descobertos por trás das aparências e o que se revela não é nada agradável. Neste caso vemos um casal de idosos preso em uma condição irreversível, se deparando com o fim da vida e a transformação de sua relação.

Haneke dirige dois dos mais admirados atores da França, Emmanuelle Riva (por quem todos nos apaixonamos em Hiroshima, Meu Amor, de 1959) e Jean-Louis Trintignant. Ela é Anne, que sofre dois derrames consecutivos, o que faz com que seu estado físico caminhe lentamente para a perda da autonomia e do domínio de si mesma, algo com que George, seu marido, terá que lidar da maneira mais tranquila possível, afastando-a das dificuldades e tentando tornar a vida de sua mulher mais fácil. Até que os dois cheguem a seus limites, físicos e psicológicos.

Rejeitando qualquer ajuda da filha (Isabelle Huppert, colaboradora do diretor no também genial Professora de Piano), George se coloca numa situação onde qualquer definição de sentimentos se torna obscura: algo entre a resignação e o desespero, a tristeza e a esperança, a impotência e a dor. Anne se sente violada, cada vez que alguém tem que lhe dar banho, pentear seu cabelo. Sem derrubar uma lágrima para expressar o sentimentos de repúdio (pelo outro e por si mesma), Emmanuelle Riva está linda e perfeita no papel.

Não há necessariamente aqui uma degradação da condição dos personagens, como se vê comumente na fimografia de Haneke, a não ser pela velhice, e como este casal vai se relacionar com esta nova realidade é que faz surgir o lugar de fala de Haneke: o que é o homem por baixo daquilo que aparece? Como um casal de idosos, cultos, reage quando se depara com a perda da dignidade, ou a eminência disso? Por isso, Amor é um filme cujas cenas fortes, impactantes (característica de Haneke) estão mais nos detalhes, no estudo dos personagens do que em algo propriamente visual. A interpretação de Rivas exala desespero, mesmo que nada seja dito em palavras. É isto que choca e que fisga o espectador. Já sabemos o fim da história desde o começo, e o caminho para este fim é doloroso. Talvez pode-se dizer que este é o filme mais denso de Haneke, já que fala da morte como situação mais extrema com a qual tem que se deparar o ser humano, por isto mesmo tão definitiva e transformadora. Reparem em como a cena em que um pombo invade a casa, é metafórica quanto à situação de Anne e Georges.

É um filme silencioso, direto, seco (os últimos 20 minutos são de uma angústia sem tamanho). Toda a atmosfera se volta para que a sensação de prisão, impotência e desespero vivida pelos personagens seja também experimentada por nós. À medida que o filme decorre a fragilidade de todos se torna determinante e insuportável. Imagens que trazem incômodo da maneira mais sutil e poderosa, sem alardes, apenas através de um confronto direto com a realidade. Chegam ao fim os dias, o domínio das faculdades físicas e psicológicas, mas o amor se mantém, até que ele se choca com a sanidade (outro fator sempre discutido no cinema de Haneke). Não é um filme de lágrimas, mesmo que estas apareçam em um ou outro momento. É um filme de inquietações e de intenso comprometimento com os personagens que vemos em cena. Outra obra prima do diretor austríaco.

 

Título original: Amour

Direção: Michael Haneke

Produção: Stefan Arndt, Margaret Ménégoz, Michael Katz, Veit Heiduschka

Roteiro: Michael Haneke

Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell, Ramón Agirre, Rita Blanco, Laurent Capelluto, Carole Franck, Dinara Drukarova,Jean-Michel Monroc

Lançamento: 2012

Nota:[cinco]