Corpo Fechado

O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deverá ser apreciado com moderação

corpo fechado

UM ANO APÓS O SUCESSO DE O SEXTO SENTIDO, o cineasta M. Night Shyamalan retomou a parceria com o astro Bruce Willis e tratou de escrever, dirigir e produzir Corpo Fechado. Arrisco dizer que talvez seja um dos três melhores filmes de sua carreira, embora não seja lá muito complicado selecionar o top 3 do diretor. Difícil mesmo é fazer um top 5, já que não existem cinco obras boas de Shyamalan.

Poderia definir a sinopse assim: “Um homem é o único sobrevivente de um trágico acidente de trem. Após receber uma carta anônima de um cara que se auto-intitula Sr. Vidro, ele passa a acreditar que possui poderes especiais e pode combater o crime e a impunidade com seu dom”. No entanto, seria um grande equívoco tentar explicar do que se trata Corpo Fechado desta maneira. A obra de Shyamalan não é apenas um dos melhores filmes de herói já produzidos, mas também uma história inteligente e muito bem construída da psicologia dos homens que passam a viver para proteger outras pessoas, de homens que dependem da existência de um “inimigo” para encontrarem o seu lugar no mundo.

Samuel L. Jackson, facilmente em um de seus melhores trabalhos no cinema, interpreta o vilão Elijah Price. É curioso perceber a inversão dos conceitos originados nas histórias em quadrinhos. Geralmente os vilões “nascem” após o encontro com os heróis (o leitor que não acompanha histórias em quadrinhos pode pensar em Batman: O Cavaleiro das Trevas, de Chris Nolan, e recordar do discurso do Coringa, que dizia ter sido inspirado pelo Homem-Morcego), mas em Corpo Fechado é o contrário: Elijah age como uma espécie de Mestre Yoda para o desesperançoso David Dunn (Willis). A existência da persona heróica de Dunn se deve exclusivamente ao apoio insistente de Price, cujas ações são explicadas no surpreendente final. A revelação da verdade sobre o personagem no meio de todo aquele discurso sobre ter finalmente se encontrado é um dos principais pontos positivos da obra de Shyamalan.

corpo fechado samuel l. jackson quer uma continuação

Corpo Fechado acerta especialmente por não querer se queimar incluindo uma luta entre os dois personagens. O roteiro até explica isso durante uma breve conversa entre a mãe de Elijah com David, na qual é dito que existem dois tipos de vilões: aquele que representa uma ameaça física e aquele que desafia o psicológico do herói, se tornando assim um perigo muito maior. Dunn reluta por boa parte da trama até aceitar o seu destino. É como se ele não quisesse aquela responsabilidade, mas depois percebe que a sua vida só terá sentido quando ele assumir o seu papel no mundo.

Shyamalan é eficiente na maneira de contar sua história. Logo de cara, ele já apresenta os seus personagens principais. De um lado, o espectador acompanha o sofrido nascimento de Elijah. Já sabemos que aquele cara nasceu sentindo dor, privado de ter uma boa saúde, e com motivos de sobra para odiar o mundo. Logo depois, somos convidados a conhecer David. Ele demonstra falha de caráter ao retirar sua aliança de casamento para tentar flertar com uma mulher. Em uma longa sequência em que a câmera deixa o público ver apenas quem é que está falando no momento, o diretor mostra que ele é um bunda mole deprimido e com o pior migué da história do cinema. Após levar o toco, a câmera foca no rosto assustado de Willis e pronto. Shyamalan dribla a necessidade de mostrar o acidente e pula logo para a parte em que o herói acorda.

A cor fetiche de Shyamalan, o vermelho, não chama a atenção, mas isso não significa que o diretor tenha deixado de lado o uso das cores. David aparece sempre com a sua capa verde de segurança, enquanto Elijah utiliza tons mais escuros de vermelho e roxo. Ao invés de se posicionar direto como um vilão, o personagem é ambíguo e só se revela durante a conclusão do longa-metragem.

Verdadeiro hino ao universo dos heróis, Corpo Fechado é um daqueles filmes que crescem bastante durante a revisão e se tornam essenciais na lista de qualquer um que diga adorar produções inspiradas em super heróis. Shyamalan pode ter ficado meio sequelado depois que passou a permitir que o seu nome recebesse mais atenção do que os títulos dos filmes nos cartazes, mas aqui ainda temos um belo exemplar de como se fazer cinema e misturar ação, aventura e suspense com o sub-gênero “filme de herói”. Imperdível.

corpo fechado poster

Nota:[quatro]