Cosmópolis

O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deve ser apreciado com moderação.

 

ERIC PACKER (ROBERT PATTINSON) ACORDOU UM BELO DIA e após passear pelos cômodos de seu apartamento luxuoso (com direito a um aquário para um tubarão) resolveu que precisava de um corte de cabelo. Baseado no livro homônimo de Don DeLillo, a adaptação de Cosmópolis consegue aliar positivamente a complexa narrativa do escritor com o estranho universo cinematográfico do cineasta canadense David Cronenberg.

Como é de costume se tratando dos filmes do diretor, é certo que coisas estranhas e confusas irão acontecer cedo ou tarde. Como se não bastasse toda a parafernália tecnológica da limousine de Packer, o filme se desenvolve a partir das várias pessoas que entram dentro do carro para terem reuniões com o jovem milionário. É louvável o cuidado que Cronenberg e sua equipe tiveram para preservar a essência da obra original. Há algumas mudanças, claro, mas os mínimos detalhes estão presentes (como as cores vermelhas no cabelo de um dos assistentes de Packer) e sob a câmera astuta e onipresente do diretor, tudo é destacado. Inclusive o clima sufocante da narrativa ganha o reforço da ausência de trilha sonora e os closes constantes nos rostos dos atores.

Cronenberg havia deixado os seus fetiches com o bizarro um pouco de lado em seus últimos filmes, mesmo em Um Método Perigoso, quando Keira Knightley recebe suas pancadas do amor, ele parecia ter economizado um pouco. Felizmente, o diretor realizou cenas que entrarão para a galeria dos grandes momentos de sua carreira. Ainda que o filme não tenha conseguido repetir com exatidão a tensão sexual entre os dois personagens, a cena em que Packer faz um exame de próstata ao mesmo tempo em que flerta com uma assistente consegue fazer o espectador rir de maneira incômoda com a situação. Especialmente depois que o médico declara que a próstata de Packer é assimétrica e deixa o personagem se questionando o filme inteiro sobre o significado daquilo.

Ainda existe espaço, como não podia deixar de ser, para o sexo enraivecido tão comum nos filmes do diretor. Curioso é que Pattinson recentemente protagonizou Bel Ami, em que interpretava um verdadeiro José Mayer. Novamente ele tem a oportunidade de se dar bem nas telas e ao longo de sua jornada em busca de um corte de cabelo, ele afogou o ganso com uma secretária (Juliette Binoche), com sua segurança pessoal (inclusive com direito a cenas mais explícitas e uma revelação das preferências sexuais do personagem), podemos dizer que ele teve uma transa mental com outra assistente, e ainda tentou desesperadamente comer a esposa, que sempre negava fogo e resolveu encerrar o relacionamento depois de notar um cheiro inconfundível de sexo no marido.

Ao escalar Robert Pattinson para protagonizar a adaptação, Cronenberg demonstrou ousadia e inteligência. Primeiro que Pattinson é um ator do momento, com uma grande base de fãs adolescentes por conta do seu trabalho nos filmes da Saga Crepúsculo. Independente da ausência de qualidade dos filmes da série, o ator nunca demonstrou ter personalidade e profundidade em suas atuações, sendo sempre um sujeito sem expressão. E é exatamente por este motivo que Cronenberg acertou em cheio na hora de definir o seu elenco. Packer é um personagem de expressões vazias, um rosto bonito, mas completamente sem vida, um produto, uma apresentação perfeita do resultado de tudo que é contestado por Chuck Palahniuk em O Clube da Luta. Note que Packer em momento algum cruza seu olhar com seu segurança pessoal. Ele apenas escuta, contrariado, e segue as recomendações. Ele se sente acima de todos e altamente protegido dentro do seu bunker de quatro rodas e protegido dos perigos da cidade.

Um pecado cometido por Cronenberg é a não combinação da trilha sonora com o climax da discussão entre Paul Giamatti e Pattinson. Seria mais interessante se o volume da música “Benno” fosse crescendo, na medida em que a tensa conversa dos dois personagens se aproximasse de seu inevitável desfecho, até que se encerrasse com o barulho do disparo se misturando com a trilha ensurdecedora. Howard Shore, colaborador habitual dos filmes do cineasta, trabalhou em parceria com a banda Metric e as músicas presentes ao longo da produção funcionam nos momentos certos, para explicitar as emoções do personagem e de tudo que acontece ao seu redor.  Porém, mais eficiente ainda é o silêncio incômodo presente em boa parte das discussões filosóficas que acontecem dentro da limousine. Ouça abaixo a canção “Mecca”, que apenas aumenta ainda mais o clima estranho de Cosmópolis:

Cosmópolis é um filme para quem está acostumado com os fetiches estranhos de Cronenberg e consegue se concentrar em uma história que se arrasta propositalmente até entrar no seu desfecho. Definitivamente é um passo importante para a carreira de Robert Pattinson e suas intenções de dar uma verdadeira guinada em sua carreira, assim como já havia acontecido com Leonardo DiCaprio ao começar a trabalhar com Martin Scorsese. A grande diferença é que DiCaprio sempre demonstrou ter talento, ao contrário do nosso querido vampiro brilhante, que pelo menos teve a sorte de ser apadrinhado por um dos melhores cineastas de todos os tempos.


Nota:[tresemeia]