Filme: Son of Saul (Mostra de São Paulo 2015)

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Filme extremamente realista sobre o Holocausto e que ainda propõe um experimento narrativo inusitado: há poucas dúvidas de que Son of Saul, vencedor do Grand Prix (a “medalha de prata”) do Festival de Cannes deste ano e escolhido pela Hungria para brigar por uma vaga na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2016 sairá da cerimônia com a estatueta; e o longa realmente funciona, deixando o espectador desgastado diante da barbaridade que apresenta – apesar de uma decisão narrativa e estética específica tomada pelo diretor (e também roteirista) estreante László Nemes trabalhar mais contra suas próprias intenções que a favor delas.

Contando um fiapo de história, Son of Saul tem início quando o personagem-título (Röhrig), um judeu que trabalha como faxineiro em Auschwitz, encontra na pilha de cadáveres produzida pela câmara de gás o corpo de seu filho. Determinado a impedir que este seja queimado com os outros e a dar-lhe um sepultamento judaico adequado, Saul tenta subornar médicos, escapa de seu setor, se infiltra em um grupo de trabalhadores rurais e mergulha em uma jornada frenética em meio ao horror completo, sendo colocado inúmeras vezes sob a mira do revólver de um oficial da SS ou sob o escárnio dos monstros responsáveis pela maior tragédia humanística de nossa História recente.

Imprimindo um ritmo caótico através de uma câmera na mão que simula os esforços do protagonista de se encontrar em meio à baderna e à destruição, Nemes e o diretor de fotografia Mátyás Erdély ainda optam por uma razão de aspecto reduzidíssima que se aproxima do 1×1 e confere uma sensação ainda mais claustrofóbica à narrativa – além, é claro, de aumentar nossa identificação com o protagonista ao colocá-lo numa condição de extrema vulnerabilidade diante de ameaças que ele é incapaz não apenas de controlar, mas também de enxergar e processar de maneira apropriada.

É uma pena, portanto, que a dupla também adote uma profundidade de campo reduzidíssima durante 95% da projeção, focalizando basicamente a cabeça do protagonista ao centro do quadro e mantendo tudo o que acontece a seu redor fora de foco; e, assim, impedindo que vejamos com clareza a situação absolutamente degradante à qual aqueles judeus (e, acima de tudo, seres humanos) estão sendo submetidos diante dos nossos olhos – e além de tornar a jornada de Saul ainda mais desgastante (o que, ao menos do ponto de vista de catarse, pode ser visto como um ponto positivo), a questão que a proposta dos realizadores levanta é: por que raios filmar o Holocausto de maneira tão realista, crua e, ao que parece, magnífica se for para esconder tudo do espectador na hora da exibição?

É claro que a necessidade de mostrar demais já gerou grandes polêmicas na História do Cinema e que nossa bagagem cultural nos permite compor as imagens que enxergamos “de canto de olho” durante a projeção, mas o experimento narrativo proposto por Nemes (cujo propósito de inserir-nos na desordem inclusive visual de Saul durante aquele dia fatídico é plenamente compreensível) de certa forma desvia a nossa atenção do horror que é, queira ou não, a razão de ser do projeto – e a prova está na assustadora cena da vala comum, em que Nemes enfim abre o foco e o impacto que aqueles poucos segundos nos causam superam qualquer outro momento do filme inteiro.

Contando com uma atuação central simplesmente espetacular em sua expressão apreensiva e extremamente humana diante do escrutínio ininterrupto da câmera, Son of Saul pode não ser a obra-prima que muitos anunciaram, mas mesmo seus problemas são causados por uma estratégia ineficiente, sim, mas cuidadosamente calculada e executada por um diretor que, em seu primeiro longa-metragem, demonstra personalidade suficiente para ir longe em sua carreira.

Son of Saul (Saul Fia, Hungria, 2015). Escrito e dirigido por László Nemes. Com Géza Röhrig, Levente Molnár, Urs Rechn, Todd Charmont, Jerzy Walczak, Sándor Zsótér, Marcin Czarnik, Amitai Kedar, Attila Fritz, Kamil Dobrowolski e Uwe Lauer.