Rock of Ages: O Filme

Crítica de autoria de Larissa Padron, redatora e colunista do Cinema em Cena.

Dirigido e coreografado por Adam Shankman, Rock of Ages: O Filme poderia ser um divertido longa responsável por apresentar diversos clássicos do rock dos anos 80 para um público mais jovem. Mas ao invés disso é um filme problemático feito sob encomenda para uma geração fã do seriado Glee. Sim, para fãs de Glee, já que o casal protagonista vive um romance adolescente, embalados por canções de rock reinventadas de uma maneira extremamente pop (e o fato da dupla ter um desempenho vocal que faz você pensar que a Britney Spears até que é agradável, contribui bastante para isso). A referência fica ainda mais óbvia quando vemos que a música tema do casalzinho é “Don’t Stop Believin’, do Journey, que se tornou famosa novamente graças ao episódio piloto da série.

A história se passa em 1987 e acompanha Sherrie (Julianne Hough), uma sonhadora garota do Kansas que vai tentar a sorte como cantora em Hollywood. Chegando ao local ela se apaixona por Drew (vivido por Fiuk… Digo, pelo estreante Diego Boneta), que a leva para trabalhar com ele como garçonete do clube Bourbon Room, administrado por Dennis (Alec Baldwin) com a ajuda do amalucado Lonny (Russell Brand). O clube, que já teve seus dias de glória, passa por dificuldades financeiras e vê no show do famoso Stacee Jaxx (Tom Cruise) a chance de pagar as dívidas, já que o novo prefeito, Mike Whitmore (Bryan Cranston), e sua carola esposa, Patrícia (Catherine Zeta-Jones), protestam arduamente para fechar o local.

Uma jovem (que se parece fisicamente com Christina Aguilera) que vai tentar a vida como cantora na cidade grande, e começa trabalhando como garçonete de um famoso clube com dificuldades financeiras? Sim, o roteiro de Justin Theroux, Allan Loeb e Chris D’Arienzo (um dos criadores da peça) é tão fraco que lembra Burlesque (2010). A referência a outros filmes não param por aí: o longa é repleto de medleys (“culpa” de Baz Luhrmann e seu “Elephant Love Medley”, de Moulin Rouge) e possui uma cena inicial impossível de não associar à “Tiny Dancer”, de Quase Famosos (2000).

Referência, por sinal, é palavra-chave para Rock of Ages que reverencia o glam rock desde divertidas pontas de roqueiros famosos (como Sebastian Bach) aos figurinos e maquiagem dos protagonistas, como Sherrie, que vai de um vestidinho da década de 60 a uma “personagem de videoclipe dos anos 80” ao longo da projeção. E a influência do glam talvez seja o principal motivo para o filme não se levar a sério (assista aos clipes das músicas “I Wanna Rock” e “We’re Not Gonna Take it”, do Twisted Sisters, ambas utilizadas no longa, para entender).

Por mais que este “não se levar a sério” passe dos limites às vezes – como na cena em que Alec Baldwin diz ter “vomitado pelas calças” ou o número musical de “I Can’t Fight This Feeling”, do REO Speedwagon, que acaba se tornando homofóbico pela ridicularização que faz dos personagens – ele também é responsável pelo maior mérito do longa: a sua cutucada irônica no cenário musical do final dos anos 80 para cá, que também deixou de “se levar a sério” profissionalmente e foi gradualmente se tornando uma verdadeira indústria, na qual músicos vendem mais imagem do que canções.

A crítica fica evidente durante a canção “Any Way You Want It” (do Journey, novamente), na qual vemos um paralelo entre uma casa de striptease, com dinheiro voando para o alto, e Drew, um autêntico roqueiro sendo vendido – a uma boy band, como uma cópia do Vanilla Ice – por Paul (o mercenário empresário de Stacee Jaxx, interpretado perfeitamente por Paul Giamatti). Tudo isso enquanto ouvimos “anyway you want it, that’s the way you need it” (de qualquer maneira que quiser, esse é o jeito que você precisa) no que é, provavelmente, a cena mais empolgante do filme.

O cenário musical também é criticado pela mitificação dos rockstars através de Stace Jaxx (e Cruise tem o carisma necessário para interpretá-lo), que exala um fascínio inexplicável a todos a sua volta e está sempre associado ao sexo, desde a apresentação do personagem, com um close em sua bunda, a um show na qual vemos uma clara analogia à masturbação e ejaculação. E é a personagem de Malin Akerman, a repórter da Rolling Stone Constance Sack, que deixa essa mítica mais evidente, pois, mesmo desprezando a rasa personalidade do roqueiro, acaba facilmente se rendendo aos seus charmes.

No entanto, a tentativa de mostrar Jaxx como alguém que possui um conteúdo que vai além do símbolo sexual – presente na irônica apresentação de “I Wanna Know What Love Is” (eu quero saber o que o amor é), do Foreigner, por ele e Constance, durante uma cena que simula sexo – é forçada, já que a química entre Cruise e Akerman é tão fraca que torna enfadonha qualquer cena em que os dois estão juntos. E também pelo fato de Jaxx ser tratado como uma caricatura de Axl Rose (com seu macaco de estimação e tatuagem de duas armas no quadril) durante toda a projeção.

Além disso, Cruise insiste em dizer o tempo todo que “ninguém o conhece além dele mesmo”. E este é apenas um exemplo das dezenas de irritantes diálogos expositivos do longa, o que torna Zeta-Jones e Cranston (dois dos melhores atores do elenco) personagens tão mal explorados, que repetem em diálogos todos os planos que os números musicais anteriores já explicaram. Aliás Zeta-Jones, que já mostrou imenso talento para canto e dança em Chicago, é mal explorada em todos os sentidos, com poucos e fracos números musicais (apesar de “Hit Me With Your Best Shot” ter o mérito de expor a hipocrisia das instituições religiosas e políticas).

Por falar em elenco, Mary J. Blidge surge apenas como uma rara boa voz no longa, pois possui uma personagem absolutamente desnecessária, e Russell Brand, embora um divertido alívio cômico, é estereotipado demais. Mas o principal problema é mesmo Boneta e Hough, que nunca conseguem sustentar um romance com o qual o espectador se importa, o que não se dá somente por fracas atuações, mas também pelo fato de que vemos esse relacionamento consolidado em apenas uma rápida cena, de cortes desnecessariamente frenéticos.

O que nos leva ao principal problema de Rock of Ages: ritmo, algo inaceitável para um musical. Shankman reveza entre exagerados cortes e cenas excessivamente longas, nas quais nada relevante acontece. E é um pecado que um musical faça com que o público saia do cinema com as versões originais das músicas na cabeça e não com as suas próprias. Quem sabe não seria diferente se ele colocasse como protagonista uma boa cantora de rock, ao invés de uma adolescente pop com voz potencial para dublar Alvin e os Esquilos?

Rock of Ages está em uma das piores categorias em que um musical pode estar: aquele que não empolga. A não ser que você seja muito fã de Glee. E nesse caso, segue uma lista de cinco canções interpretadas tanto pelo elenco do filme como pelo elenco da série, para você comparar e se divertir:

“Hit me with your Best shot“:

Rock of Ages:

Glee:

“Waiting for a Girl Like You”

Rock of Ages:

Glee:

“I Can’t Fight This Feeling”

Rock of Ages:

Glee:

“Any Way You Want it”

Rock of Ages:

Glee:

“Don’t Stop Believin’”

Rock of Ages:

Glee: