Azul É a Cor Mais Quente

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EM FRENTE ÀS CÂMERAS DE Abdellatif Kechiche, Adèle (Adèle  Exarchopoulos) cresce, sofre, esvazia-se e preenche-se novamente da presença de uma figura que surge em sua vida e lhe domina o olhar e os pensamentos. Como que conduzida a um caminho que deverá levá-la à maturidade, esta trajetória de descobertas (de si e do mundo) acontece enquanto Adèle tateia e se movimenta desajeitada tendo como ponto de partida um sentimento que vive e experimenta com uma intensidade enorme, comparada apenas à entrega das duas atrizes responsáveis por trazer uma história que poderia ser corriqueira e simples (e de fato não o é?), a um plano de espelhamento das experiências de cada um.

Azul é a Cor mais Quente faz o recorte de uma trajetória no mundo, enquanto recorta também o mundo em uma trajetória, a de Adèle, que após rejeitar as investidas de um belo e apaixonado rapaz do colégio, se sente só, deprimida, triste mesmo que um motivo não seja percebido a princípio. Um dia vê passando pela rua uma garota de cabelos azuis, em uma dessas trocas de olhar típicas de amor à primeira vista. O azul dá o tom plástico do filme e também conduz a narrativa quando, em um bar, Adèle reencontra aquela moça: Emma (Léa Seydoux), uma estudante de belas artes, confiante, sedutora, bem resolvida – um furacão em cena. Por ela todos nós, sentados em suas poltronas, nos sentiremos atraídos: seu sorriso magnético fará Adèle se abrir, se deixar, se oferecer, se lançar.

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Temos aqui, portanto o ponto central do filme, e o que o faz ser tão universal embora grande parte de seu reconhecimento se deva ao fato de tratar-se de um romance lésbico (outra parte deve-se ao reconhecimento em Cannes deste ano). Adèle se deixa levar.  Quer ir, pois onde está não consegue se movimentar. Se Adèle vai crescer frente aos nossos olhos, não será sozinha: aprenderá também que crescer envolve cada vez mais se mostrar e se expor aos olhos do outro, relacionar-se com o desconhecido que isto representa.  Um processo lento, que Kechiche filma com paciência, sem pressa, trazendo momentos que desenharão para o espectador a importância e o poder que aquela relação tem sobre Adèle: a presença de Emma infiltrou-se em sua vida de tal forma, que a maturidade vai além da sexual – amadurecer passa a ser também aprender a viver só.

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Adèle Exarchopoulos carrega um filme de três horas de duração com o peso e a leveza que uma atuação extremamente realista e sutil pode oferecer. Sua total entrega ao personagem, seu mergulho profundo nas sensações e sentimentos, trazem a performance de uma atriz que mesmo jovem, já opta por caminhos mais inteligentes e sensíveis, no choro contido e desesperado, no impulso pela realização do desejo, pela liberdade com que se entrega ao prazer, pela humanidade com que pede perdão, pelo caminhar triste e pesado de quem se sente bruscamente interrompida.

O primeiro amor de Adèle é também a primeira ruptura. Talvez o primeiro impulso para o verdadeiro amadurecimento seja a constatação de que tudo acaba. O que dói é que este impulso sempre vem quando não se espera por ele.É este desligar, este desvincular, separar brusco. Um dos professores de Adèle diz que a infância é a fase da fragilidade, fase onde estamos mais expostos, mais desprotegidos. Tese que a obra vem contestar, quando diz que viver é se descobrir, sobretudo quando em contato com o outro: é um eterno desproteger-se.

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É um comprometimento perigoso com os próprios desejos e inseguranças. Por nos deixar fazer parte da vida de Adèle enquanto vive todos estes sentimentos que estão tão  longe de qualquer definição, é que Azul é a Cor Mais Quente torna-se a grande obra que é. É um ensaio disfarçado de história de amor adolescente, que fala sobre a responsabilidade sobre nós mesmos e sobre os outros, sobre como nossos atos tem o poder de uma partícula criadora de universos, sobre como somos cegos e vulneráveis. Imperdível.

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Nota:[cinco ]