Eu Sei Que Vou Te Amar

De Arnaldo Jabor. Com Fernanda Torres, Thales Pan Chacon


“O que me faz sofrer é sentir que o que encheria qualquer mulher de felicidade, ou seja, ter o teu maravilhoso amor, o teu amor generoso, bom, apaixonado, e essas coisas lindas que você me diz, tudo isso me causa ansiedade e me leva ao desespero. Quanto mais eu penso em me entregar totalmente a você, tanto mais temor eu tenho do que seria de mim se esse seu amor ardente se apagasse”.

Esta fala é dita por Fernanda Torres, com a cabeça apoiada sobre o ombro de Thales Pan Chacon na cena de abertura de Eu Sei que Vou te Amar, filme de 1986 dirigido por Arnaldo Jabor. Todo o desenrolar da trama – que se inicia com o reencontro de um homem e uma mulher sem nome que terminaram há três meses um casamento de dois anos, é uma espécie de desabafo, um grito desesperado a respeito do despreparo que aqueles dois têm para lidar com seu amor: constata-se a sua existência, ao mesmo tempo em que percebe-se a sua impossibilidade de existir.

O roteiro escrito por Jabor, conhecido por suas crônicas que falam de amor com a força de quem percebe a sua simplicidade nas menores demonstrações (já leram “Eu te Amo… Não diz Tudo!”?), passa a impressão de ser um belo livro encenado: tudo se passa numa noite, numa casa, e num reencontro. Monólogos, diálogos… O casal não se enfrenta, nem necessariamente lava a roupa suja: o casal se disseca num momento onde não há mais justificativas para mentiras.

Não que o objetivo seja a verdade. Como em determinado momento se diz “foda-se a verdade, o que se precisa é de objetividade”, é assim que os personagens são tratados: é com tamanha objetividade que são colocados frente aos seus sentimentos e aos sentimentos do outro, que é como se vissem aquele amor com a ajuda de uma lupa, de um microscópio. Resultado: no começo percebemos certa atração ainda existente, sobre a qual sobrevém uma necessidade de auto-afirmação e de sentimento de culpa, mesmo que essa culpa seja a do outro. Há responsável pelo fim de uma relação (não pelo fim de um amor, isso o filme deixa claro)?

Além disso, Jabor é hábil ao retratar a forma como homem e mulher se colocam numa relação, como se colocam frente ao amor e suas demandas. Fidelidade é uma necessidade posta, mas a traição é um exercício de liberdade; o peso das obrigações de mulher, não como dona de casa, mas daquela que sempre teve seus desejos mutilados em favor de uma moral que não se ajusta às suas reais necessidades: a necessidade de libertação. Homem ama diferente de mulher?

O casal quer crescer junto, quer ser visto pelo outro na mesma medida em que se vêem reciprocamente. “Será que eu nunca mais vou te esquecer? Será que nunca mais vou olhar para um espelho sem ver você refletida? Será que nunca mais vai chover sem eu ver a chuva molhando o teu rosto?”, ele diz em determinado momento do filme.

Há então uma tentativa de racionalizar. Toda aquela história que não irá mais realizar-se (não vão mais casar, nem namorar: a história dos dois acaba ali), acaba numa busca por transformar a relação em amizade. Neste momento o filme alcança um nível mais burlesco, com cara de filme de Fellini (uma conhecida inspiração para Jabor). A cena final é inexplicável, mas nada pode ser explicado quando se chega a um nível onde resposta alguma dará conta da questão maior colocada por Eu Sei que Vou te Amar: é possível (ou até quando é possível) amar sem sofrer? O amor consegue dar conta da insegurança, da dúvida, do não-domínio total sobre aquele que se ama? É sem respostas que Arnaldo Jabor entrega um belo filme, com belas atuações (Fernanda Torres ganhou Palma de Ouro em Cannes naquele ano) e que merece ser visto. Assistam.