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Crítica: Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016)

O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Moonlight possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.

SABEMOS QUE O MUNDO É UM LUGAR CHEIO DE GENTE MESQUINHA E CRUEL. Homofobia, sexismo e racismo são temas atuais que ainda tiram a nossa esperança em acreditar em dias melhores, embora existam movimentos cada vez mais fortes lutando para mudar esses cenários negativos. Em 2016, por exemplo, uma forte campanha (#OscarSoWhite) ofuscou a cerimônia da Academia, acusada de privilegiar apenas os branquelos de sempre. Um reflexo disso é a quantidade de produções de qualidade estreladas por negros nessa temporada, como é o caso de Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight, 2016), de Barry Jenkins.

Competindo pela preferência do público como o favorito da temporada de premiações, Moonlight é um verdadeiro tapa na cara. Um daqueles trabalhos que conseguem causar reflexão em quem tem a cabeça aberta e está disposto a corrigir seus próprios comportamentos ao entender um pouco mais sobre o que é ser negro e gay. Não que seja possível realmente saber o que é isso apenas por assistir a um filme, óbvio, mas a empatia começa com a compreensão do problema.

Baseado numa peça chamada In Moonlight Black Boys Look Blue, de Tarell Alvin McCraney, o longa-metragem é uma espécie de Boyhood, de Richard Linklater, sem a parte do experimento cinematográfico. Acompanhamos a vida de um rapaz em três estágios diferentes: na infância, na adolescência e já como um adulto.

Quando conhecemos o Chiron de nove anos de idade, ele está correndo pelas ruas de Miami tentando escapar dos colegas de escola maldosos. Nesse primeiro contato, já sentimos o baque com o ambiente pesado que o moleque convive em casa. A mãe é uma cracuda vida louca (Naomie Harris chutando traseiros) que desdenha dele (“Eu já vi o jeito que ele anda”) e agressiva com seus acessos de raiva. É de partir o coração a cena em que o pequeno Chiron pergunta para Jean (Mahershala Ali) como ele poderia saber se era gay.

Já o Chiron adolescente é apenas pele, osso e coração batendo. Ainda indeciso sobre a sua sexualidade, o jovem agora é presa fácil nas mãos dos colegas de escola. Acompanhamos as suas primeiras descobertas sexuais, e provavelmente o seu primeiro amor (que começa através de sonhos eróticos até resultar num amasso nervoso na praia). Mas as agressões frequentes na escola (somadas com os problemas com a mãe em casa), fazem Chiron chegar no seu limite. E aí ele surta.

No último momento, Chiron surge como um sósia do 50 Cent. Esqueçam o pirata da Somália da adolescência: o moleque virou um guerreiro espartano das ruas, com direito até a dentadura dourada gangsta. Enfiado no mundo das drogas e da violência, Chiron aparenta ser o resultado de anos e anos de abuso, mas aos poucos, o público percebe que toda a sua sensibilidade e insegurança ainda estão lá. Quando recebe a inesperada ligação do seu primeiro (e único) amor, assistimos a um gigante mostrando toda a sua vulnerabilidade.

A infância e adolescência de Chiron foram estressantes. Como um adolescente sem atenção familiar e uma figura de liderança para se espelhar, só restou o caminho de responder com violência todas as agressões sofridas. O medo de se expressar, de poder ser quem ele sentia vontade, ajudou a criar uma barreira, que é o que assistimos no terceiro ato.

Moonlight é um comovente filme sobre as dificuldades de ser gay, negro e pobre. Sobre o quanto essa jornada é dolorosa e deixa cicatrizes no psicológico da pessoa, que cresce com todo o direito de odiar o mundo. Mas mais do que isso, é um delicado retrato sobre como conviver com a sua própria sexualidade num mundo moderno que diz ter a cabeça aberta, mas julga o tempo inteiro. Nesse ponto, como um serviço moral e social, realmente, Moonlight é a melhor coisa produzida no cinema em anos.