#ButecoInRio 2016 – 01: Impressões iniciais e Kóblic

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A COBERTURA DO CINEMA DE BUTECO PARA O FESTIVAL DO RIO 2016 começa alguns dias depois de sua abertura, mas promete tanto ânimo quanto aquelas cujos trabalhos acompanharam os instantes iniciais do mesmo.

Seria antiético falar deste domingo festivo-carioca sem reservar um espaço de culto verbal ao Cine Odeon; sendo este que vos escreve um cinéfilo em sua primeira vez no admirado evento, foi impossível não entrar em êxtase com aquele espaço: em poucas palavras e sem detalhamentos que prejudiquem a rara possibilidade de surpresa, todos os apaixonados pelo cinema espalhados pelo território brasileiro devem fazer o possível para, um dia, conseguirem assistir a um filme no Odeon. Ali, a sétima arte resiste.

No Festival do Rio, a cultura é ativa. No toque final da escuridão chuvosa e dos postes piscando à frente da saída lateral do cinema, se completava simbolicamente o primeiro dia de #ButecoInRio, marcado pela percepção de uma coletividade disposta a celebrar a manifestação artística. Que assim seja.

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  1. Kóblic – ★★★★

Quem foi que disse que, por estarmos num festival diversificado, deixaríamos de ver Ricardo Darín estrelando uma produção argentina? Pois é, ele está conosco mais uma vez – e, enquanto seu talento persistir, não devemos ousar reclamar.

É curioso que o personagem-título vivido pelo ator neste filme compartilhe algumas características, mesmo que sutis, com aquele que o mesmo interpretou no espetacular “O Segredo dos Seus Olhos”, de Juan José Campanella; mais do que isso, existe uma intenção clara – e alcançada – de discutir algumas questões sociais e políticas também abordadas por aquele título.

Não há possibilidade de comparação qualitativa com a obra de Campanella, uma vez que aqui, no projeto de Sebastián Borensztein, há fragilidades estruturais oriundas sobretudo do quão convencionalmente o longa segue a fórmula do “filme de forasteiro”, desde os conflitos iniciais provocados pela chegada de um “outsider” na cidade pequena e de comando claro, passando pelo passado sombrio carregado por este, e recaindo sobre o desenrolar da trama.

Algumas de suas ressalvas, no entanto, são compensadas pela forma de discutir as questões que propõe. Ambientada na cruel Ditadura Militar argentina, a abordagem está proposta a assimilar a imposição de um regime de tal caráter enquanto dissolução completa qualquer noção coletiva de ética até então existente na sociedade por ela vitimada: assim são compostas figuras como o delegado que ignora quaisquer barreiras do ponto de vista moral, dispondo-se a silenciar ações irregulares ou mesmo cometê-las para atingir seus objetivos, um espelho de uma conjuntura de poder que encara suas autoridades desta forma.

Do outro lado, a personalização da resistência se revela no personagem principal e, ainda mais, na relação desenvolvida entre ele e Nancy, em evidente representação do ato da libertação: para ele, da solitária condenação por recusar-se a fazer o que não considerava certo; para ela, da longa sujeição coercitiva a uma relação brutalmente machista e abusiva. Mais reveladora, todavia, é a lembrança de que, passada numa cidade pequena e absolutamente afastada, esta é uma espécie de narrativa que ainda perdura em determinadas regiões de nosso próprio país.

Até amanhã.