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Review: The Leftovers s03e08 – “The Book of Nora”

Existem momentos em que precisamos escolher acreditar ou não em alguma coisa. Em 2014, eu escolhi acreditar em Damon Lindelof e sua série nova na HBO. The Leftovers não me decepcionou, por mais que tivesse episódios rasteiros ou que eu simplesmente não compreendia. Infelizmente, foram poucas as pessoas que escolheram acreditar na história e decidiram acompanhar suas três temporadas. Eu sou sortudo e se você está lendo isso, também pode se considerar.

The Leftovers mexe com a nossa cabeça e coração. Somos obrigados a simplesmente embarcar numa narrativa que desafia a lógica e nos convida a ter fé na loucura dos protagonistas diante um episódio bíblico inexplicável. Nesses quatro anos (não tivemos temporada em 2016) virei “amigo” de Nora e Kevin. Passei a admirar o casal, assim como a me perguntar como seria conversar com Matt ou qualquer outro rosto criado na série.

Se em Lost, Lindelof aprendeu como é manter audiências do mundo inteiro se perguntando o que diabos era aquele monstro de fumaça ou o que era a ilha, em The Leftovers o produtor mostra seu amadurecimento. Não importa mesmo qual foi a da partida das pessoas ou se Kevin era realmente maluco. Essa série é muito mais sobre a jornada dos protagonistas do que tratar de nos cuspir respostas.

Veja bem a sutileza e inteligência com que o roteiro resolve algumas dúvidas. Laurie não se matou. Matt morreu, mas pelo menos Mary o amava muito. Kevin Senior continua vivo. O mundo não acabou naquele aniversário de sete anos da partida. E Nora fez uma “viagem” muito maior do que qualquer um: ela foi até o outro mundo visitar aqueles que partiram.

Nesse ponto é preciso fazer uma nova escolha: acreditar em Nora, a personagem mais deprimida de toda a série. Aquela que muitas vezes preferiu ser a estraga-prazeres da vida. Aquela que guardou tantos segredos e deixou o cara que a amava na mão. Aquela que é a melhor personagem feminina da televisão em anos. Carrie Coon, um prêmio no Emmy ou o Globo de Ouro nunca será o bastante para reconhecer o que você fez nessa série, principalmente na última temporada.

Nora conta que viajou até o outro mundo. Ela provavelmente nunca acreditou nas histórias de Kevin sobre suas visitas ao outro mundo. Independente dele ser louco ou não, isso diz muito sobre o tipo de pessoa que é e a forma esquisita como ama. Forma meio egoísta (ou apenas difícil de um canceriano compreender, vai saber), né? Enfim. O que ia escrevendo é que ela contou a sua história e Kevin apenas ouviu até escolher acreditar. Algo que ela dificilmente faria se estivesse no lugar dele.

A história de Nora rendeu outro daqueles monólogos sensacionais vistos ao longo deste terceiro ano. Ela contou que quando chegou do outro lado, teve que viajar durante muito tempo até chegar em sua cidade para tentar reencontrar seus familiares. No meio da viagem, cruzou com diversas pessoas que compartilhavam as suas histórias: “Eu estava num supermercado e de repente 200 pessoas desapareceram”. Quando chegou em sua velha casa, flagrou os filhos (agora mais velhos) ao lado do pai e de uma outra mulher. Eles pareciam felizes.

Foi então que Nora percebeu que ali não era mais o seu lugar. A vida havia seguido em frente e ela não precisava mais sofrer ou se castigar acreditando que não merecia ser feliz enquanto sua família tinha desaparecido.

Ao mesmo tempo podemos admirar o comportamento de Kevin. Mesmo depois de tantos anos longe de Nora, ele preferiu não acreditar que pudesse existir alguém no mundo que o completasse ou fizesse tão feliz. Durante anos, Kevin viveu sozinho viajando nas férias para a Austrália para tentar reencontrar o grande amor de sua vida. É uma forma bem clara de mostrar a resiliência de um cara que passou por tudo na vida e escolheu esperar até o fim por causa de algo que dizia que aquilo ainda não tinha acabado.

O reencontro dele com Nora pode causar uma certa confusão na cabeça do público num primeiro momento. “Será que o Kevin bateu a cabeça e ficou doidão?” Ele inventa uma história absurda e a convida para dançar numa festa. E aqui, bicho, não tem como não tirar o chapéu para Justin Theroux. A expressão corporal de Kevin deixa o nosso próprio coração em pedaços. Ver aquele sujeito forte que (aparentemente) morreu e ressuscitou várias totalmente vulnerável é assustador. Essa é a força que o amor tem nas pessoas. Ele destrói a gente aos poucos até não sobrar praticamente nada.

Kevin possui uma surpreendente insegurança e um medo tremendo de não saber como lidar com Nora. É como se ele temesse que ela fugisse dependendo do que ouvisse. Seu olhar é de um cara perdido e que não tem a menor ideia do que fazer diante a garota mais linda da cidade. A gente sente o peso da idade e as cicatrizes que o passado deixou, como o ataque cardíaco que quase acabou com sua vida. Isso muda um pouco nos minutos finais, quando ele vai atrás de Nora mais uma vez e confessa que viaja pra “fucking” Australia anualmente porque tentava encontrá-la, que não podia acreditar que eles tinham terminado tudo numa discussão no quarto de hotel.

A partir daí, “The Book of Nora” entra em seus minutos finais e naquele que ficará registrado como o melhor encerramento de uma série de televisão. Sem firulas ou grandes invenções, The Leftovers acaba com o entendimento de duas pessoas que sofreram muito até ficarem realmente preparadas para passarem o restante da vida juntos.

The Leftovers nos ensina muito sobre a vida. Essas coisas de escolher amar alguém e superar cada desafio ou obstáculo é comparável à fé. Nós realmente precisamos ter força para suportar cada tempestade que nos faz questionar se fizemos as escolhas certas na vida. Por isso, mais do que nunca, posso não ser o cara que tem sorte no jogo ou no amor, mas um verdadeiro sortudo por ter escolhido parar na frente da televisão em 2014 e me permitido apaixonar pelo misterioso universo de The Leftovers.