127 Horas

Em maio de 2003, Aron Ralston (James Franco) explorava um cânion no estado americano de Utah quando sofreu uma queda em uma fenda e teve seu braço preso por uma enorme pedra. 127 Horas é o tempo que Aron passou naquele local com o seu braço prensado pela pedra até conseguir se libertar. Inspirado no livro Between a rock and a hard place, o filme de Danny Boyle embarca na missão de contar a história de Aron Ralston. Um projeto com algumas armadilhas para algum diretor menos competente, afinal como contar com maestria a história de uma pessoa, uma rocha e um cânion apertado, sem a transformar numa história pedante?
Boyle, nos primeiros 15 minutos, nos apresenta Aron, um jovem aventureiro, amante da natureza e de esportes radicais, de um bom humor e energia contagiantes, e com uma propensão ao auto-isolamento. Este último item da personalidade dele é reforçado pelas cenas iniciais do filme, desde o momento em que ele prepara a mochila com os objetos que irá levar na sua jornada, até a sua ida para o cânion. Temos a opção de Boyle por dividir a tela em duas e até três partes, intercalando cenas de multidões e carros em movimento. Talvez com o objetivo de apenas mostrar a natureza individualista, mas que nos evoca a censura em relação aos hábitos solitários de Aron. Este início aliado com a dançante trilha sonora, principalmente a agradável música inicial Never Hear Surf Music Again, do Free Blood, nos dá um bom cartão de visita do personagem: jovem, alegre e livre.
Só eu, a música e a noite”, é o que diz Aron ao iniciar sua viagem. E será assim durante quase todo o filme, com exceção do encontro com Krist (Kate Mara) e Megan (Amber Tamblyn), que as conduz uma bela seqüência de mergulho em uma caverna (cena que já se tornou uma das minhas preferidas no cinema).
Em vários momentos do filme, as imagens nos remete a um tom de documentário, devido a escolha do diretor de manter a câmera sempre em movimento, ora acompanhando os movimentos do personagem, ora tomando a perspectiva do próprio Aron, além de utilizar a filmadora que Aron carrega durante todo o filme, como na cena em que ele cai de bicicleta, reforçando ainda mais o ar documental do mesmo.
Após a apresentação da personalidade de Aron, somos levados a assistir o incidente com a pedra de forma tão repentina quanto deve ter sido para o verdadeiro Aron Ralston. E a partir deste ponto somos premiados com uma das melhores atuações de James, particularmente acho que ele está tão bom neste papel que nem parece o James Franco (sim, eu sei que isso parece com um slogan de jornal ou revista), que tem a missão de encarnar toda a persistência e coragem exigida de alguém na situação dele. O verdadeiro Aron Ralston teve a opção de desistir, mas não o fez. O porquê disso, Boyle e o roterista Simon Beaufoy tentam responder em um texto que busca explorar as variadas tentativas de escapar daquela situação (mesmo possuindo nenhum equipamento para isso), ao mesmo tempo que intercala com as lembranças e delírios de Ralston durante as 127 horas preso na rocha.
O roteiro acerta nas tentativas de escapar, como após desgastar todo canivete tentando cortar a rocha, ele cria um sistema com as cordas que possuía para tentar mover a pedra, sempre reforçando o espírito persistente de Aron de não desistir, apesar da situação extrema. Tais tentativas de escapar intercaladas com crescentes momentos de lembranças e de delírios de Aron, nos faz sentir sempre dois sentimentos conflitantes: de que é merecido o “castigo” por optar ser um lobo solitário todo o tempo e não avisar a ninguém versus queremos que ele se livre dali o mais rápido possível. Talvez essa tem sido a opção do diretor de passar alguma lição no filme, do tipo: “Nunca desapareça sem avisar ninguém”, mas ao mesmo tempo que Boyle não toma partido da opção de passar uma lição ou apenas contar a história de Aron, é que se encontra o ponto falho.
Voltando a atuação de James Franco, é gratificante ver a interpretação dele em vários momentos desse filme. Desde o momento inicial do alegre e jovial Aron, à situação de extremos do ser humano, como buscar alguns minutos de sol no apertado cânion ou beber a própria urina quando finda seu estoque de água. Franco leva o personagem de momentos de extrema lucidez (Não há perdas. Não perca a paciência) à momentos de delírios (há um momento que ele prevê o filho que ainda não tem). Talvez uma das cenas mais emblemáticas do filme que consegue misturar tudo isso é quando ele usa sua filmadora e simula um talk show onde Aron “se entrevista”, se impondo a realidade de que não teria ajuda ali.
E é a consciência de vida de Aron – mesmo após toda a degradação física sofrida após cincos dias privado de recursos, aliás um ótimo trabalho de maquiagem – que o leva a tomar a decisão crucial para sair daquela rocha. Com certeza é uma das cenas mais fortes do filme (na internet é facilmente encontrado vários relatos de queda de pressão, vômitos, ataques epilépticos e outros problemas de saúde), reforçada com a interpretação visceral de Franco e os cortes de câmera precisos.
Assim, 127 Horas se transforma em um filme com um roteiro muito bem adaptado sobre uma história real difícil de ser bem contada e interpretada, evocando algumas velhas discussões sobre a natureza social do homem e sua luta contra a solidão e a morte. Um filme para ser visto com atenção, merecendo quatro caipirinhas e meia.