Jogo de Poder

Imagine a situação: a identidade de uma agente secreta da CIA é divulgada no jornal como forma de represália do governo norte-americano contra um artigo político publicado pelo seu marido. Independente do conteúdo do artigo (uma denúncia sobre a não existência de artefatos nucleares em um país africano, contrariando assim declarações do presidente da república), a atitude vinda diretamente do alto escalão da Casa Branca foi de uma completa imprudência e irresponsabilidade, que colocou em risco a vida de uma família e de todos os informantes ligados à agente. Tal história aconteceu de verdade na terra do tio Sam e antes de virar um longa-metragem dirigido por Doug Liman, ganhou as livrarias com a publicação de um livro homônimo escrito pela própria agente Valerie Pleme (no cinema interpretada brilhantemente por Naomi Watts).

Jogo de Poder (favor não confundir com Jogos do Poder de Mike Nichols) é um filme difícil de digerir e que pode até mesmo soar arrastado por boa parte do tempo. A direção de Doug Liman consegue oferecer momentos de grande tensão, embora nada demais aconteça no roteiro. Conhecido por ter dirigido o primeiro filme da trilogia Bourne, Liman usa e abusa da câmera na mão para tentar trazer o espectador o mais próximo possível do drama e dos conflitos dos personagens. O resultado acaba sendo positivo e compensa a ausência de “ação” no decorrer do longa. Tudo gira em torno da disputa política entre o marido de Valerie contra o governo e o silêncio da esposa. As únicas sequências de ação acontecem logo no começo, quando somos apresentados à vida dupla da agente e suas investidas no oriente médio em busca de informações sobre a fabricação de armas nucleares.

A história começa logo após o atentado de 11 de setembro, quando os norte-americanos ficaram preocupados com sua segurança e um forte sentimento xenofóbico começava a nascer e se alastrar entre a população. Valeria Pleme tem uma vida dupla, onde apenas o marido e os pais sabem a sua verdadeira profissão, e agora passa boa parte do tempo viajando pelos países do oriente para buscar informações vitais sobre armamento nuclear no Iraque. Com o passar dos anos, o seu marido percebe inconsistências no relatório publicado e lido em cadeia nacional pelo então presidente George Bush, e escreve um feroz artigo indicando que não existem armas onde a inteligência da CIA acusava. Tudo isso desencadeia uma luta pública pela verdade, enquanto o casamento de Valerie e seu marido passa a correr sérios riscos. Mas não pense que por um momento sequer o roteiro vai abordar o lado romântico em crise do casal: trata-se de uma produção dirigida pelo cara que levou A Identidade Bourne para os cinemas. Seria impossível imaginar a existência de uma pegada dramática em seu estilo. Talvez esse seja o grande defeito de Jogo de Poder. O roteiro não explora todas suas possibilidades e ao invés disso, parece apenas seguir a história de Valerie Pleme e o equívoco da CIA, que foi obrigada a se retratar e pagar uma multa milionária para a agora ex-agente.

Além da beleza “nórdica” de Naomi Watts (você a conhece de O Chamado), o filme ainda conta com a atuação contida do excelente Sean Penn. Interpretando o marido que luta pela honra da esposa, Penn dá um show como um sujeito que apesar de querer limpar o nome da esposa de todas as formas possíveis, é meio travado e consegue ficar nervoso mantendo a mesma expressão no rosto. Algo que merece a atenção e respeito do espectador. Jogo de Poder é um daqueles longas políticos que você consegue assistir sem ter preguiça do patriotismo excessivo dos norte-americanos e enxerga toda a podridão do sistema do Tio Sam. Merece 4 caipirinhas.