Irreversível

A minha querida Bells do site Muse Brasil disse que Irreversível era o filme mais nojento que ela já assistiu na vida. Outras pessoas fizeram coro e pensei que se tratava de alguma produção realmente perturbadora. Até então ainda desconhecia o tema do filme e confesso que cheguei até mesmo a pensar que era um filme de terror (fui descobrir o filme através de uma pesquisa de filmes de terror europeus). Em momento algum percebi que aquela familiaridade com o nome do filme tinha motivos e que estava bem aqui, no próprio Cinema de Buteco.

Não concordo que é o filme mais nojento de todos os tempos, mas provavelmente é um dos mais tensos e pesados que pude conferir. O diretor francês Gaspar Noé recriou uma trama que é apresentada para o espectador de trás para sempre, ou seja, de forma que fique claro para nós que tudo que surge na tela já aconteceu e como todas as decisões que fazemos em nossas vidas, é irreversível. O recurso que se tornou popular com Amnésia de Christopher Nolan, soma-se às sequências com a camera rodopiando e que chegam a causar certo mal estar em quem assiste o filme. São diversas cenas filmadas dessa forma, e todas acompanhadas da eficiente trilha sonora que remete aos filmes de Stanley Kubrick.


Logo na introdução, (ou seria o final?) Noé filma uma despudorada sequência em um bar gay. Os diversos casais surgem se atracando em transas sadomasoquistas por todos os cantos escuros do local. Se você é do tipo de pessoa que se assusta ao ver o instrumento de lazer dos homens em questão, prepare o estômago. O personagem de Vincent Cassel invade o bar gritando por um sujeito e percebe-se claramente o tanto que o personagem está transtornado. A consequência disso é uma violenta agressão, onde um extintor de incêndio se revela como uma arma mortífera e que faria inveja a muitos assassinos do cinema. A partir dessa cena, fica difícil imaginar que Noé ainda guardava mais uma cena para embrulhar o estômago do espectador. E é o que acontece logo depois que é explicado o motivo que leva os personagens de Cassel e Albert Dupontel a entrar em um bar sadomasoquista.

Dentre as cenas mais agressivas e violentas que o cinema já ofereceu ao público, o estupro da personagem de Monica Bellucci merece destaque. São quase 10 minutos de tortura, angustia e asco. Além da imagem desconfortável da personagem sendo abusada no meio de um corredor público, o diretor fez a sábia decisão de excluir qualquer tipo de trilha sonora. A escolha aumentou o impacto e força da cena. A violência sofrida pela bela personagem ganha toda a atenção do espectador, que acaba sendo obrigado a prestar atenção nas expressões de medo e dor da personagem. Triste constatar que a melhor cena do filme é a que causa tantas sensações negativas, mas não tem como fugir. Seguindo o conceito do filme, e passando por tudo que é revelado no final (começo), percebe-se como todas as coisas se tornam frágeis e capazes de ruir a qualquer momento. Certas coisas que acontecem em nossas vidas são de fato, irreversíveis e Noé não poupou esforços para provar isso da forma mais visceral possível.

Irreversível não é um filme de terror, mas poderia muito bem ser. Ele mexe com a gente de uma forma que passamos a acreditar que aquilo realmente aconteceu e que a vida daquelas pessoas realmente foi transformada para sempre. Talvez pela surpresa e beleza das descobertas da personagem de Bellucci nas cenas que encerram o filme. Ou quem sabe pela forma que a camera é usada como se fosse um personagem, quase como se fosse um convite para nós participarmos da história como uma mera (e sofrida) testemunha ocular. Quando o João diz que estamos diante um clássico dos anos 2000, não é brincadeira.

São quatro caipirinhas.