A Árvore da Vida

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A SENSAÇÃO QUANDO SE DEIXA A PROJEÇÃO DE ÁRVORE DA VIDA, NOVO FILME DE TERRENCE MALICK, É DE QUE O FILME FALA SOBRE TODOS E PARA TODOS, pois a rigor não há tema inerente a existência humana que não esteja ali, e não há alguém que não tenha conhecido (ou que não vai conhecer) as questões debatidas, em pura forma de imagem em movimento. A presença humana é desde sempre marcada por dois problemas fundamentais: o do ser humano no mundo, e o ser humano no mundo em relação ao outro. É tateando respostas em meio a estes dois extremos que os personagens demasiadamente humanos de Malick se deslocam existencialmente deslocados, acompanhados pela câmera que não só delimita espaços e planos, mas os transcende, acompanhando suas motivações existenciais: há algo que garanta a dignidade da permanência do homem na Terra? Pensando na efemeridade e na fragilidade da existência, como buscar valores que transcendam esta condição, e que permitam uma existência plena e consciente de si? Isso é possível? Ou como Malick parece intentar responder: que traço o homem traz que é capaz de torná-lo apto a perceber sua presença no mundo problematizando-o e fazendo disso uma questão eterna, constitutiva? Que lugar na existência é esse que o homem o tempo todo requisita? Será ele merecedor deste lugar no qual se colocou?
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Terrence Malick prova com Árvore da Vida que o cinema é sim meio de especulação autônomo, e através de uma premissa conscientemente fragmentada nos leva desde a história de uma simples e comum família texana na década de 50 até a história do universo como se não houvesse outra forma de falar destas questões. Vistos o tempo todo como parte de um universo no qual o homem só representa um microcosmo, os protagonistas estão num constante embate com o mundo, e consigo mesmos. É quando suas crenças (aqui representadas literalmente sob a forma de religião) se tornam contraditórias ou deixam de atender a suas demandas, que os personagens se reportam a algo maior, mesmo que incompreendido e desconhecido, e logo estamos frente ao início dos tempos, explosões que dão origem à estrelas, a vida na Terra se iniciando, se tornando cada vez mais complexa… No fim das contas o ser humano é mesmo frágil e limitado (a morte e a incomunicabilidade se colocam como o maior limite), mas isto não é nossa exclusividade. O cosmos é uma ordem frágil e mutante. Que precisa morrer para continuar vivendo. O homem é só mais uma parte deste processo. Mas talvez o único que se dê conta disso.
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Jack (Hunter McCracken criança, Sean Penn adulto) é o filho mais velho dos O’Brien. Numa família tradicional sem muitos luxos, tudo parece transitar entre a doçura e o olhar acolhedor da mãe (Jessica Chastain, simplesmente esplêndida, na alegria e na dor) e a dureza do pai (Brad Pitt). A forma como suas vivências na infância irão determinar sua personalidade e desenharão as relações desta família é algo com que Jack se depara só na vida adulta, em uma rotina de trabalho em que nada parece ser intessante. Algo aflige Jack e sabemos disso. A inocência foi deixada para trás, e o que fica, é a sensação de que tudo se tornou sem sentido. “Algum dia você vai cair e chorar. E vai entender tudo. Todas as coisas”.
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E além do elenco e desta premissa, está a câmera de Mallick. Pretensiosa e ao mesmo tempo leve, parece interessar a ela as pequenas grandes coisas. A beleza dos instantes que mesmo prosaicos ficam na memória. Os movimentos que circundam os personagens, sem um objeto específico, mas que tentam mostrar o entorno, o todo. Sempre ascendendo, como se em busca de algo além, acima. Ela só se fixa quando mira no cosmos (e que belo cosmos este mostrado por Malick!), em suas explosões, engendramentos. Sem deixar de retornar ao convívio daquela família, que conhecemos de maneira indireta. Não há embate direto com estes personagens. Os conhecemos quando os perseguimos e observamos, sempre levados por Malick. Não há uma história específica, não há sequer um decorrer de ações. Tudo o que se vê são imagens de sentimentos, de memórias, de afetos. É quando instantaneamente recorremos às nossas próprias memórias e vivências: nos enxergamos em Jack. Tememos por nosso futuro e nos damos conta de como é difícil existir quando insistemente tentamos fazê-lo do jeito certo. Sendo que aquilo que mais fica, são os erros.

É complicado definir Árvore da Vida. Algo como um 2001 – Uma Odisséia no Espaço se fosse dirigido por Bergman é com certeza um dos filmes mais marcantes dos últimos tempos. Grandioso, belo, existencial, espetacular. Se existe algo de digno na frágil e debilitada existência humana é a nossa capacidade de dar significados a cada momento que vivemos, o que seria a única possibilidade de nos tornar melhores e merecedores desta dádiva que é a vida. É por isso que, quando se deixa a projeção de Árvore da Vida, algo certamente estará diferente, e as lágrimas que me acompanharam por boa parte do trajeto de volta para casa só comprovam isto: fica uma assustadora urgência em viver.
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“Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que ‘Deus’ é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.” (Clarice Lispector, Perdoando Deus)
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Tree of Life (2011)
Direção: Terence Malick
Roteiro: Terence Malick
Elenco: Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain, Hunter McCracken, Laramie Eppler, Tye Sheridan, FionaShaw