O Último Portal

ANTES DE SE TRANSFORMAR EM UM DOS ATORES MAIS QUERIDOS DO CINEMA ATUAL, Johnny Depp tinha uma carreira bem interessante com diversos personagens curiosos e bem trabalhados. Em 1999, ele já era o ator fetiche do diretor Tim Burton, mas a parceria ainda não estava banalizada e sempre oferecia um ar de estranhamento como novidade. E a melhor parte é que Piratas do Caribe ainda não existia e ninguém imaginava que um pirata chamado Jack Sparrow pudesse fazer tanto sucesso. Felizmente, quando é dirigido por diretores competentes, Depp consegue fugir da imagem excêntrica criada com o seu personagem mais famoso. Em Busca da Terra do Nunca, de Marc Forster; e Inimigos Públicos, de Michael Mann; são belos exemplos disso, em tempos que Depp parecia apenas se repetir. Outro exemplo de destaque na carreira do ator está em O Último Portal, thriller comandado pelo cineasta Roman Polanski, que consegue tirar uma das melhores atuações da carreira do ator.

Polanski brinca com o ocultismo na adaptação de um livro escrito por Arturo Pérez-Reverte. Depp interpreta Dean Corso, um negociante de livros raros de moral duvidosa e é contratado pelo misterioso Boris Balkan (Frank Langella), um especialista em demonologia que está decidido a pagar uma grande fortuna para ter certeza de que possui a cópia original de um livro supostamente escrito pelo próprio capeta. A obra em questão oferece poderes para quem desvendar o seu enigma, tudo em um oferecimento do coisa ruim dos confins do underground.

O cinismo e a frieza do personagem de Depp geram bons momentos para o espectador, que fica na dúvida se deveria realmente torcer pelo sucesso dele. Emmanuelle Seigner (musa proibida de Harrison Ford em Busca Frenética) aparece como a atriz feminina principal e que tem a missão de salvar Depp de alguns apuros na mesma proporção que se revela como o maior deles, em uma cena mais para o final do filme. Aliás, creio que talvez seja a única cena em que um homem se arrepende de uma transa ainda durante o ato. Geralmente aquela sensação de culpa costuma vir depois do alívio. Antes porém, ela dá as primeiras pistas de que não é muito normal: enquanto Depp banca o enfermeiro para a moça, ela usa o seu próprio sangue para “batizar” o personagem, que fica surpreso ao perceber os olhos dela mudando de cor várias vezes.

A obsessão é um tema presente na maioria dos filmes de Polanski e em O Último Portal ela é bem destacada e funciona de uma maneira curiosa invertendo os destinos de seus personagens. Se desde o começo da história é Balkan que se aproveita do caráter duvidoso de Corso, usando tudo que está ao seu alcance para poder descobrir a resposta para o enigma de Lúcifer, logo é o próprio personagem de Depp que se vê preso ao desejo de encontrar a resposta. Logo após ridicularizar uma seita satanista e que pratica sexo inconsequente como forma de homenagear o capeta, o destino de Balkan é revelado para o espectador de uma forma cruel.

O Último Portal é um excelente filme, cansativo em partes, mas que é mais um belo exemplar da capacidade de Polanski em aumentar o talento de bons atores. Tanto Depp quanto Langella tem muito que agradecer ao diretor. Infelizmente o filme não é muito comentado na filmografia de Polanski, ficando sempre deixado em segundo plano. Uma pena.

Nota: