Ted

Dirigida por Seth MacFarlane, Ted poderia ser apenas mais uma comédia politicamente incorreta que diverte com piadas bobas e divertidas, sem precisar se preocupar com uma trama complexa, mas vai além por conseguir fazer o público se importar com seus personagens e conferir realidade até mesmo a um bichinho de pelúcia falante e malcriado. Difícil acreditar, mas Ted demonstra que mesmo um filme que conta com cinco ou seis piadas envolvendo pum e cocô pode se levar a sério.

Na trama, o introvertido menino John Bennett faz um pedido para que seu ursinho de pelúcia se transforme em um amigo de verdade. Magicamente Ted (dublado pelo próprio diretor) ganha vida, fala e movimento. É claro que isso o transforma em uma celebridade instantânea, cuja fama acaba rapidamente, e uma bacana transição dos créditos iniciais – no qual acompanhamos o fim da infância, adolescência e começo da vida adulta de ambos – conhecemos John com 35 anos (Mark Wahlberg), namorando Lori (Mila Kunis), que o ama, mas está cansada de sua imaturidade e o faz escolher: ou Ted ou ela.

O filme traz alfinetadas e ironia desde o seu princípio, iniciando com uma narração fabulesca e levemente infantil de Patrick Stewart para depois contrapor com uma cena do tal ursinho fumando maconha, além de satirizar, antes mesmo dos créditos iniciais, da religião ao Justin Bieber, ao mostrar o “milagre” e a transitória fama de Ted, respectivamente. E a cutucada em Bieber é apenas uma das diversas piadas com a cultura pop que o filme traz, que inclui a voz de Katy Perry, o Superman de Brandon Routh e Sam Jones, protagonista do oitentista Flash Gordon, que funciona como uma demonstração do quanto os personagens principais do longa ainda vivem no passado.

No entanto, mesmo investindo no humor ao estilo Uma Família da Pesada (série criada por MacFarlane), o longa assume a estrutura de uma típica comédia romântica – passando pela conquista, pelo conflito e pela reconquista da mocinha pelo mocinho – com todos os seus clichês, que acabam não se tornando enfadonhos pela veracidade do sentimento entre John e Lori. E este é o principal mérito de Ted: a complexidade de seus personagens, que raramente soam caricaturais.

Mesmo admitindo a imaturidade de John, que com 35 anos tem medo de trovão, trabalha em uma locadora de carros com um chefe e colegas medíocres e passa boa parte do seu tempo fumando maconha com Ted sem se preocupar com perspectivas de futuro, simpatizamos com ele por seu carinho e fidelidade ao seu melhor amigo e à sua namorada. E é bonito acompanhar a tentativa de crescimento do rapaz (impulsionada pelo amor por Lori), através do toque de seu celular, que passa da “Marcha Imperial” (de Star Wars) para um sóbrio e impessoal ringtone. E se a mudança parece orgânica é porque a assistirmos intercaladas a uma série de falhas de comportamento.

Da mesma forma como entendemos as motivações da personagem de Kunis, que em momento algum se torna a vilã por exigir certo afastamento entre seu namorado e Ted. Entendemos sua frustração justamente pela diferença de maturidade dos dois para ela, que é vice-presidente de um grande e imponente escritório e que se esforça, mas não consegue se encaixar na piada interna sem graça envolvendo marca de cerveja. E fica claro para o público que John não mudará enquanto continuar atrelado a um ursinho de pelúcia que têm prostitutas como principal companhia. E mesmo os personagens secundários, que são um pouco caricaturais, ganham mais verossimilhança por boas atuações. Giovanni Ribisi surge como um vilão perverso, mas engraçado, pela boa utilização da persona do ator: assim como quase todos os personagens anteriores de Ribisi, Donny é divertidamente assustador por sua excentricidade natural. Já Joe McHale como Rex, um empecilho para o relacionamento de John e Lori, funciona por suas ótimas piadas sacanas, que demonstram que ele é tão imaturo quanto John.

Mas o personagem que realmente chama a atenção é Ted, e é claro que isto se deve, principalmente, a um belo trabalho de CGI, já que até mesmo o olhar do ursinho parece real. Além disso, os diálogos entre John e ele também demonstram um estranho crescimento do personagem, que inicia o filme com a doce voz que um típico brinquedo deveria ter e termina como um incorrigível boca suja.

Ted também é responsável pelas duas cenas mais bonitas do longa: uma em vemos espumas cair em câmera lenta sobre um campo de futebol (e é tão difícil câmera lenta não ficar brega) e outra com um belo movimento de câmera, na qual, após um briga que faz John se afastar dele, assistimos ao ursinho tentar chamar atenção apertando seu peito para falar um “Eu te amo” com sua sonoplastia de brinquedo.

E por falar em sonoplastia, é engraçado observar o quanto esta é exagerada em uma importante cena de briga (o que aumenta a tensão do momento) e na lembrança de John de seu primeiro encontro com Lori, no qual dança como Tony Manero (de Os Embalos de Sábado a Noite) com um som que lembra videogame, o que remete à sua infantilidade. Já a lembrança que a namorada tem da mesma data, é uma ótima piada com o passado de Wahlberg como rapper.

Além do som, o trabalho da câmera também é bem planejado, especialmente na cena em que John está a caminho de conhecer seu ídolo, na qual seu êxtase e ansiedade são demonstrados pelo desfoque e aceleração dos carros ao redor, e pela desastrosa festa subsequente, em que a câmera, assim como os personagens, assume os frenéticos (e depois deprimidos) movimentos de quem utilizou cocaína.

Mesmo com muitas piadas adolescentes e alguns diálogos expositivos, Ted merece ocupar o ranking de uma das maiores bilheterias do ano e se firmar como uma das melhores comédias de 2012, por fazer com que seu público não se sinta culpado ao sair do cinema dando risada de um politicamente incorreto com quase nada de limites (eu ri com uma criança gordinha levando um soco no nariz) e por tornar um ursinho de pelúcia mágico tão semelhante a uma geração de adultos que se esforça para amadurecer, mas nem sempre consegue.


Nota:[quatro]