Elles

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O CONTATO COM OUTRO PODE SER REVELADOR E AO MESMO TEMPO PERIGOSO, quando há um inesperado reconhecimento. Sempre há pré-conceitos que dão lugar a um desvelamento da própria realidade, descoberta que pode ser transformadora e dolorosa na mesma medida. Elles, filme da diretora polonesa Malgorzata Szumowska, fala do feminino sobre óticas aparentemente opostas, mesmo que esta oposição não sobreviva a um olhar mais cuidadoso: a da prostituição e a do casamento.

Acompanhando um dia de trabalho de Anne (Juliette Binoche), que está prestes a entregar um artigo sobre a vida de duas jovens prostitutas francesas, a estrutura narrativa se divide entre mostrar um dia na vida da jornalista que divide seu tempo entre a produção do artigo e a preparação de um jantar para o chefe de seu marido executivo (Louis-Do de Lencquesaing) enquanto rememora as conversas com duas jovens que vêem seu ofício de maneiras diferentes, embora nunca demonstrem qualquer vestígio de vergonha ou culpa por aquilo que fazem.

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Carregada de pensamentos que se desmancham durante as conversas, Anne passa a perceber que sua vida não se distancia tanto quanto imaginava da de suas entrevistadas. Há um envolvimento emocional entre elas, nunca julgamentos morais, a não ser os que Anne fará sobre si mesma e sua vida doméstica. “Qual é a maioria de seus clientes” ela pergunta, quando uma das entrevistadas responde: “Maridos entediados”.

Mãe de filhos distantes cada uma sua maneira, e casada com um homem frio – há certo clichê sobre a moderna família burguesa, onde por mais que uma independência financeira e profissional se apresente, a mulher ainda se vê presa em rituais corriqueiros que sinalizam uma submissão que as prostitutas entrevistadas parecem não experimentar, exceto em um episódio isolado narrado pela jovem Alicja (Joanna Kulig), um destaque no elenco, quando esta conta uma experiência traumática com um cliente sodomita.

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É de liberdade que Elles fala, e neste sentido, o domínio sobre si e sobre seu corpo parece ser ponto chave para decifrar aquilo que se passa no interior destas três mulheres que se revelam no decorrer do filme: há mais envolvimento entre os clientes e as duas prostitutas do que entre Anne e sua família, dada a falta de intimidade, contato e diálogo que se instaurou naquele lar aparentemente sólido e feliz.

Binoche dá todas as nuances e profundidades necessárias a sua personagem, quando deixa transparecer certa fragilidade e até mesmo admiração pelas duas duas garotas, jovens mas que já possuem um conhecimento de si enquanto mulheres que a própria Anne parece ter deixado adormecer. A cena em que Anne se masturba causa um estranhamento, já que este momento que deveria ser o de plena busca do prazer e de reconhecimento de si – e do corpo, traz uma imagem de mulher que parece desconhecer o significado destas palavras. Ao invés do gozo, feições de dor e a evidência de uma vida triste e incompleta. Mérito da atuação sempre caleidoscópica de Binoche.

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O corpo – sempre tratado pelo roteiro como moeda de troca, mesmo que esta troca acarrete ganhos para quem o vende (caso das prostitutas que se consideram livres e independentes) ou quando só implica em dor, quando simbolicamente Anne se machuca diversas vezes durante os afazeres domésticos.

Elles leva sua protagonista a um caminho de auto descoberta e de busca por libertação (algo que fica evidenciado na bela cena do jantar), mas há um limite imposto pelo estilo de vida que Anne escolheu: dentro da proteção que a vida famíliar representa não há riscos, apenas o conforto, e isto para alguns é uma opção natural, ainda que não legítima.

Elles - PosterTítulo original: Elles

Direção: Małgorzata Szumowska

Produção: Marianne Slot, Agnieszka Kurzydo, Bettina Brokemper,Beata Ryczkowska, Reinhold Elschot, Daniel Blum, Malgoska Szumowska, Peter Aalbæk Jensen, Peter Garde

Roteiro: Tine Byrckel, Małgorzata Szumowska

Elenco: Juliette Binoche, Anaïs Demoustier, Joanna Kulig, Louis-Do de Lencquesaing, Krystyna Janda, Ali Marhyar, François Civil,Pablo Beugnet, Valérie Dréville

Lançamento: 2011

Nota: [tres e meia]