Relembre a carreira de Christopher Nolan - Amnésia

Amnésia

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E SE VOCÊ SIMPLESMENTE NÃO CONSEGUISSE LEMBRAR QUEM É AQUELA PESSOA NA SUA FRENTE DURANTE UM JANTAR? Em Amnésia, de 2000, Christopher Nolan deixa o seu cartão de visitas para o grande público e dirige um filme complexo e capaz de travar a CPU mental dos espectadores mais distraídos. Ou seja, evite beber antes de assistir ao segundo longa-metragem do diretor de A Origem e da trilogia do Cavaleiro das Trevas.

Em Following, seu projeto de estreia, Nolan já brincava com uma narrativa não linear muito bem realizada durante a montagem, mas podemos dizer que ele bebeu todas quando teve a ideia para adaptar o conto escrito por seu irmão Jonathan Nolan. Amnésia é contado inteiramente de trás para frente. Ao lado de Quero Ser John Malkovich, de Spike Jonze; e Irreversível, de Gaspar Noé, o segundo trabalho de Nolan virou uma das principais obras produzidas nos últimos 20 anos. O primeiro é lembrado apenas por ser completamente surreal, já o segundo por manter uma estrutura semelhante ao que é apresentado em Amnésia. Aliás, a maneira invertida de narrar um filme também já sido explorada em Happy End, de 1966; no francês 5×2, de 2004; e do coreano Peppermint Candy, de 1999.

O filme apresenta Leonard Shelby (Guy Pearce) como um homem atormentado e que sofre de uma curiosa condição: ele é incapaz de memorizar coisas recentes. Ele sofreu um sério ferimento na cabeça ao tentar evitar que a mulher fosse estuprada e assassinada, e anos depois, seu único objetivo é encontrar o homem que acabou com sua vida. Para isso, Leonard faz várias tatuagens com “avisos” pelo seu corpo e costuma seguir uma lista de regras: evita falar ao telefone e faz anotações nos versos de cada fotografia que tira das pessoas ao seu redor. É assim que ele conhece o chato Teddy (Joe Pantoliano) e a ambígua Natalie (Carrie Anne-Moss), que é mais conhecida por ter interpretado a Trinity na trilogia Matrix.

amnésia trinity

Como a narrativa é apresentada de trás para frente, ou seja, o final aparece logo no começo, uma série de dúvidas começam a ser plantadas. Afinal de contas, quem são aqueles personagens que cercam Leonard? Será que podemos mesmo acreditar em tudo que assistimos, considerando que Leonard é vulnerável o suficiente para ser enganado sem perceber? Um exemplo é o Teddy. A gente até entende que Leonard tenha decidido se livrar do cara por conta da sua chatice, mas na medida em que vamos conhecendo o começo da história (ou seria o final?), detalhes sobre Teddy são revelados e temos que escolher acreditar ou não, já que nossa única perspectiva é a confusa mente de Leonard. Em momento algum acompanhamos outro personagem, e por conta dessa visão única (e nada confiável), Nolan consegue deixar o espectador tão tenso quanto o próprio Leonard, cuja vontade de se vingar o transforma em presa fácil para os mal-intencionados.

No momento em que sua esposa “morreu” e ele sofreu o acidente, é quase como se o próprio Leonard também tivesse partido. A única coisa que o mantém vivo é a necessidade de conseguir a sua vingança. Ao longo da trama, porém, descobrimos que talvez exista a possibilidade de que Leonard tenha cumprido seu objetivo anos atrás e que mesmo assim, ele insista em sua busca. Ou seja, ele se recusa a acreditar que perdeu o seu único propósito de vida e continua buscando o homem que assassinou a sua esposa. Ainda que Leonard seja incapaz de ter consciência de sua atitude, o espectador pode muito bem intuir que existe um sadismo inconsciente dominando as ações do personagem, que vulnerável, logo acaba sendo vítima de uma manipuladora Trinity.

Juro que pensei em escrever o texto inteiro de trás para frente, mas aí me lembrei que o Pablo Villaça, do Cinema em Cena, havia feito algo parecido na sua crítica. A diferença é que eu pretendia realmente perder meu tempo vago colocando o texto inteiro ao contrário. Provavelmente ninguém iria ler. No entanto, ainda considero que talvez tivesse sido uma ideia engraçada. No mínimo. De qualquer maneira, tudo isso é apenas um reflexo da importância de Amnésia e minha dificuldade em encontrar uma maneira apropriada para escrever sobre uma das obras mais geniais dos anos 2000. É uma daquelas histórias em você não pode piscar os olhos para evitar o risco de perder qualquer detalhe, por menor que seja. Existem pessoas que detestam esse tipo de longa-metragem, especialmente quem costuma afirmar que assiste filme apenas para se distrair e que gosta de desligar o cérebro. Nada contra esse tipo de público, mas preciso admitir que o cinema de Christopher Nolan não é para os preguiçosos que não sabem desfrutar uma boa história, de uma narrativa complexa, ou enxergar de verdade o que existe nas entrelinhas. A droga do peão não vai parar de rodar para esse público. Então, sem tentar fazer média: Amnésia é do caralho.

E para você, leitor do Cinema de Buteco, estou curioso em saber qual a sua teoria sobre Amnésia? Deixe seus comentários:

Amnésia Poster
[quatroemeia]