Os Suspeitos

os suspeitos hugh jackman

É UMA PENA QUE OS SUSPEITOS, novo longa do diretor canadense Denis Villeneuve (do aclamado Incêndios), tenha recebido essa tradução genérica no Brasil, já que o seu nome original, que deveria ser traduzido como Prisioneiros, nos remete ao cerne ideológico do filme: eventualmente, todos se tornam prisioneiros de sua própria obsessão. Em alguns casos, como vemos aqui, ao ponto de revelar de forma brutal o monstro interno que carregamos.

A trama é centrada na investigação, liderada pelo detetive Loki (Jake Gyllenhaal), do desaparecimento de duas garotinhas, Anna, filha do casal Dover, interpretados por Hugh Jackman e Maria Bello, e Joy, filha do casal Birch, interpretados por Viola Davis e Terrence Howard.

Embora tenha uma grande história a contar, o mérito do filme está na atmosfera criada pelo diretor, que através de uma eficiente estrutura narrativa e elementos sutis, deixa o espectador tenso, estressado e desesperado durante longos 153 minutos. O mérito dessa atmosfera claustrofóbica também se deve ao brilhante Roger Deakins, diretor de fotografia, que compõe cenários monocromáticos sempre densos através da baixa luminosidade e ambientes fechados.

os suspeitos jake gyllenhaal

Deakins é extremamente hábil na utilização dos ambientes que remetem ao cárcere privado em que se encontram os personagens e ao utilizar o congelante inverno em que se passa o longa a favor da trama. Destaque apara a cena em que vemos as luzes de trânsito sob o ponto de vista de um estafado Gyllenhaal, remetendo ao ótimo Vivendo no Limite, de Martin Scorsese.

A estrutura adotada é lenta, o que torna tudo ainda mais angustiante, dando pistas através de sutilezas, especialmente pelo uso de objetos, o que faz com que todo o peso dramático das grandes atuações ganhem maior importância. O brilho definitivamente é de Hugh Jackman, que oferece aqui a melhor performance de sua carreira, criando um personagem dúbio, por conseguirmos sempre ver o seu caráter humano, através de pequenos gestos e atos de religiosidade, mesmo nos momentos de maior monstruosidade. Destaque para a cena que envolve um martelo e um banheiro.

Paul Dano, Melissa Leo e Viola Davis estão ótimos como sempre, revelando muito pouco da trama através de suas sofridas fisionomias. E apesar do papel que inevitavelmente remete ao público ao seu grande personagem em Zodíaco, Gyllenhaal consegue dar dinamismo ao seu detetive Loki, com a aparência cansada pela obstinação de seu trabalho, passando a adotar eficientes tiques nervosos com os olhos gradualmente durante a projeção.

os suspeitos paul dano

E já que mencionamos Zodíaco, a semelhança com o longa vai além do mesmo ator, que inclusive tem como sua primeira fala um diálogo com uma garçonete sobre o zodíaco chinês e os símbolos do horóscopo tatuados nos nós dos dedos. A tentativa de emular David Fincher está até mesmo no marketing do filme, que diz ser este o melhor longa de suspense desde Seven – Os Sete Pecados Capitais (e não é, apesar de ser, provavelmente, o melhor suspense do ano).

E é justamente nesta tentativa em que o filme peca: apesar de transformar seus suspenses em quebra-cabeças de muitas peças, Fincher é sempre muito habilidoso na montagem destas ao final. No entanto, neste caso, o bom roteiro de Aaron Guzikowski falha ao colocar algumas peças sobressalentes, que acabam por confundir o público e diminuir a verossimilhança e erra gravemente ao inserir um diálogo extremamente expositivo tão desnecessariamente próximo ao desfecho, faltando apenas a frase “e meu plano teria dado certo, se não fosse esse moleques e esse cachorro maldito” ao final.

Pequenos pecados a parte, Os Suspeitos tem o grande mérito de levantar uma complexa discussão ética de justiça e reflexões no público, ao mesmo em que tortura os seus nervos (no bom sentido) por duas horas e meia.

poster os suspeitos prisoners

Nota:[quatroemeia]