Vivendo no Limite

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TODO CINEASTA COSTUMA DEDICAR PARTE DA SUA CARREIRA PARA A PRODUÇÃO DE OBRAS MAIS ALTERNATIVAS, dentre seus trabalhos autorais e aqueles fabricados para agradar os estúdios. Vivendo No Limite (Bringing Out The Dead) talvez seja um dos exemplos mais obscuros da sempre interessante filmografia do lendário Martin Scorsese, especialmente por incluir uma atuação brilhante do fanfarrão Nicolas Cage.

Adaptação de um romance de Joe Connelly, o longa-metragem acompanha a rotina de um paramédico durante as noites insólitas de Nova York, a cidade favorita de Scorsese. Frank (Cage) é assombrado com as visões de uma vítima que não conseguiu sobreviver e se vê interessado por uma mulher cujo o pai está entre a vida e a morte, além disso ele passa por várias situações trágicas.

Antes de reclamar da presença de Nicolas Cage no elenco de um filme de Martin Scorsese, lembre-se (ou saiba) que o ator consegue oscilar entre personagens brilhantes (como quando venceu o Oscar por Despedida em Las Vegas) com coisas absurdas (como seus trabalhos mais recentes). Felizmente, em Vivendo no Limite, Cage mostra que possui talento de sobra e gosta mesmo é de fazer filme ruim para ter muito dinheiro na conta no final do mês. Para o delírio dos fãs do ator, existem até cenas em que ele faz a sua tradicional cara de maluco, e é completamente compreensível já que Frank não é mesmo um personagem muito normal. Originalmente, Edward Norton estava escalado para viver o protagonista, mas acabou substituído por Cage. Ving Rhames (Missão: Impossível) é o responsável por uma das melhores cenas do longa-metragem, quando demonstra o verdadeiro poder da fé. E ainda temos as participações de Marc Anthony, Tom Sizemore, Patricia Arquete e o grande John Goodman.

vivendo no limite

Vivendo no Limite possui críticas aos sistemas hospitalares dos bairros mais simples, como o fato dos médicos trabalharem por vários dias seguidos e deixarem de tratar seus pacientes com o mínimo de humanidade necessária. Como o próprio título nacional diz, todos ali estão no limite da paciência, o que faz com que cheguem a amarrar um paciente mais chato (o doidão Noel) que passa o tempo inteiro reclamando que precisa beber água. No entanto, o roteiro de Paul Schrader (Taxi Driver) merece a atenção exclusivamente por ser um belo estudo de personagem. Curioso perceber que existem muitas semelhanças entre Travis Bickle (personagem de Taxi Driver) e o paramédico de Vivendo no Limite: os dois dirijem durante a madrugada suja e estão chocados demais com a realidade para continuarem de braços cruzados. A diferença é como cada um decide reagir ao mundo. Frank briga com seu chefe, tenta forçar sua demissão, mas simplesmente é obrigado a continuar guiando a ambulância noite-pós-noite. Ele se apaixona pela filha de um de seus pacientes, o que dá o toque de romance para a produção, mas não se trata de um filme feito para ser bonzinho e ter um final feliz – ainda que seja mais ou menos isso que acontece.

Destaque para a bela trilha sonora, uma das características dos trabalhos de Scorsese. Já na introdução somos presenteados com a mistura dos créditos com pequenas tomadas do rosto de Cage e de sua ambulância. Tudo isso ao som de “T.B. Sheets”, de Van Morrison, faixa que se repete em diversos outros momentos e oferece suporte para a sensação de que o filme todo é uma completa alucinação de pessoas completamente estressadas pelo trabalho. Perfeita para a trilha sonora de uma obra que explora a noite fria, perigosa, imprevisível e a maneira como ela mexe com a estabilidade psicológica das pessoas. Um flerte eficiente para embriagar o inconsciente dos espectadores. Ainda na trilha sonora: , “What’s the Frequency Kenneth?”do R.E.M.; “Bell Boy”, do The Who; “So What”, do Jane’s Addiction; dentre outras faixas.

Vivendo no Limite é pouco citado em conversas sobre a carreira de Martin Scorsese (e de Nicolas Cage), mas o tal “filme do motorista de ambulância” é uma obra forte e convidativa para uma reflexão sobre os limites de nossos corpos, tanto no lado físico quanto espiritual. É uma pena que o longa-metragem ainda não tenha o seu devido reconhecimento. Vivendo no Limite é um clássico exemplo de filme subestimado e que passa longe do seu merecido reconhecimento. São poucos os exemplos de produções capazes de retratar a depressão, estresse e solidão com tamanha eficiência.

poster bringing out the dead

Nota:[quatro]