Ventos de Agosto Cinema de Buteco

Crítica: Ventos de Agosto – Mostra de SP

38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #49

 
Ventos de Agosto Cinema de Buteco

Victor Hugo afirmava que “o medo nasce da ignorância” – e o que o cineasta Gabriel Mascaro parece dizer em Ventos de Agosto é que a fascinação também. Conhecedor apenas de uma realidade rural limitada pelas fronteiras naturais da mata tropical e do Oceano Atlântico que o encurralam em seu endereço simples “na quarta curva depois do rio quebrando à esquerda”, o catador de coco e pescador de lula Jeison (Santos) teme o desconhecido com a mesma devoção que o contempla, enxergando a natureza, a única “força” que conhece, como a única entidade responsável por toda a beleza e todos os males que apresentam para ele.

Iniciando um relacionamento basicamente físico com Shirley (Morais), uma garota também negra que veio da cidade grande (quão grande?) para cuidar da avó e trabalhar como motorista de trator e que gosta de bronzear-se com sol e Coca-Cola e ouvir punk rock, Jeison fica transtornado quando um meteorologista visita a região para medir a força dos ventos tropicais que, segundo o noticiário, ameaça causar um tsunami a qualquer momento – e quando o mar revolto devolve um defunto apodrecido e inchado para a costa, o garoto amedrontado começa a cuidar dele como se fosse uma relíquia.

Shirley não se apavora com vendavais, ondas imensas, notícias sensacionalistas e corpos putrefatos; nem enxerga em nada disso um significado “maior” . Ela sabe que há no mundo muito mais que aquele malfadado pedaço de litoral; que há muito mais que “Sei não”, “sei não” e “sei não” para ouvir das pessoas, que a natureza nem sempre se preocupa em buscar o que lhe pertence. E é nessa intersecção de visões de mundo – uma coberta pelo pano escuro do desconhecimento, a outra tranquila em sua compreensão da imensidão de possibilidades existentes no planeta – que os corpos daqueles dois adolescentes se unem, fazendo a única coisa que podem fazer em meio ao tédio absoluto de suas vidas: sexo.

Um tédio consciente, a propósito – manifesto nos longos planos, na câmera estática, nos sons diegéticos e solitários dos ventos de agosto que batem nas folhas dos coqueiros e agitam as ondas que, segundo a repórter sensacionalista do jornal do meio-dia, virão cobrar o que lhes é de direito; um tédio que Jeison, claro, teme, arrumando um companheiro silencioso para lavar e escovar os dentes nas noites silenciosas e escuras da “quarta curva depois do rio quebrando à esquerda”, mas que Shirley aceita e comisera ao sentar-se quieta ao lado da avó durante longos minutos cinematográficos (leia-se longas horas diegéticas) sobre um desconfortável banco de barro.

Para Jeison, só há água no horizonte – e uma água cruel e impiedosa em sua passividade diante dos fortes ventos que assustaram até “aquele doutor do sul” e que regurgitaram seu amigo mudo e que já começa a feder; para Shirley, por outro lado, há o punk rock e há Coca-Cola.

Como diziam Francis Bacon e Thomas Hobbes, o conhecimento é a maior fonte de poder.

Poster Ventos de Agosto

Ventos de Agosto (Idem, Brasil, 2014). Dirigido por Gabriel Mascaro. Escrito por Gabriel Mascaro e Rachel Ellis. Com Dandara de Moraes e Geová Manoel dos Santos.