Filme: As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado (Mostra de São Paulo 2015)

As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado

Para não dizer que minha frustração com esta segunda parte das Mil e Uma Noites de Miguel Gomes foi completa, preciso reconhecer que: 1) sua estrutura, desta vez bem equilibrada entre três longos segmentos que se estendem por cerca de quarenta minutos cada um, é muito mais organizada que a da primeira; e 2) a total ausência de historinhas ambientadas no antigo mundo árabe contribuem ainda mais com uma sensação de coesão que, mais uma vez, tanto faltava a O Inquieto. É uma pena, portanto, que essas melhoras sirvam a histórias tão fracas e a um longa-metragem que parece não fazer a menor ideia de onde quer chegar.

Em sua primeira parte, As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado conta a história do camponês Simão “Sem Tripas” (Chapas), que, após assassinar várias mulheres (uma informação que só nos é dada ao final do segmento e apenas através da narração em off), vive como nômade em uma região afastada e montanhosa enquanto é procurado pela polícia, ajudado por transeuntes e saciado por virgens saídas diretamente de um paraíso islâmico. Na segunda, um julgamento ao estilo da Grécia Antiga, presidido por uma juíza rígida e de pulso firme (Cruz), tem início julgando o estranho caso de um rapaz que decidiu vender bens que não são seus – incluindo uma vagina (!) – e logo descamba para uma desordenada lavação de roupa suja em que cada espectador que se levanta possui uma nova revelação bombástica debaixo da manga. Para finalizar, a terceira parte se esforça embaraçosamente para se estabelecer como O Som ao Redor lisboeta, mas só consegue soar como um amontoado de micro-contos desinteressantes sobre gente “x” de classe média que, sei lá, mora no mesmo prédio.

Se forçarmos a barra, até podemos encontrar um componente Robin Hood no conto do “Sem Tripas”, disparado o melhor dos três, mas, fora isso, O Desolado não faz jus à primeira parte da trilogia de Gomes ao praticamente esquecer a crítica social em sua pavorosa terceira parte, que chega a investir longos minutos em uma historinha envolvendo um cachorro assombrado pelo fantasma do antigo cãozinho de sua dona – e mesmo seu segundo segmento, o mais abertamente crítico dos três, é tão mal atuado por praticamente todos os atores que me obrigou a pesquisar a possibilidade de Gomes ter trabalhado apenas com amadores em lhes dar tempo algum para se prepararem para seus papéis (uma hipótese que acabou, claro, se confirmando).

Voltando a exibir letreiros que enumeram os segmentos de acordo com a noite em que Xerazade os contou ao marido e que nos “informam” o momento em que a contadora de histórias foi dormir e voltou a contá-las na noite seguinte, As Mil e Uma Noites: Volume 2 começa a demonstrar que, no fundo no fundo, Gomes não tinha tanta coisa a dizer que justificasse uma trilogia deste tamanho.

Para o longa que a encerra, torço por mais críticas corajosas àquele “governo sem o menor senso de justiça social” e menos fantasminhas invejosos de quatro patas aprontando confusões “loucas pra cachorro”.

Observação: é sintomático que esta segunda parte de As Mil e Uma Noites tenha sido a escolhida para representar Portugal na corrida por uma vaga entre os cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016, já que é aquela que mais consegue soar como um projeto individual, ainda que de qualidade duvidosa.

As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado (Idem, Portugal, 2015). Escrito e dirigido por Miguel Gomes. Com Crista Alfaiate, Dinarte Branco, Carloto Cotta, Adriano Luz, Joana de Verona, Rogério Samora, Maria Rueff, Cristina Carvalhal, Luísa Cruz, Américo Silva, Diogo Dória, Bruno Bravo, Tiago Fagulha, Teresa Madruga, Chico Chapas, Carla Maciel e Margarida Carpinteiro.