Crítica: Cálculo Mortal (2002)

 
ULTIMAMENTE TENHO APRENDIDO ALGUMAS COISAS NOVAS SOBRE CINEMA. Esse aprendizado trata de uma nova forma de enxergar os filmes e a maneira de escrever sobre cada um deles. Tive uma discussão recente onde foi colocado o polêmico tema de quem é mais importante: se é a direção ou se é o roteiro. Quem acompanha o Cinema de Buteco há mais tempo sabe muito bem a minha preferência e foi com grande pesar que tive que aceitar que a minha opinião (talvez) seja um pouco equivocada. De qualquer maneira, a verdade é que tirei uma lição importante disso. Afinal de contas, existem roteiros ruins ou formas ruins de se contar uma história? 
 
Cálculo Mortal, produção norte-americana de 2002, é um desses thrillers que te prendem a atenção facilmente na primeira impressão. Mas no calor da empolgação, é muito fácil deixar de perceber detalhes que depõem contra a qualidade da história. Longe de querer tirar a culpa do roteiro de Tony Gayton (agora serei um defensor da classe e concentrarei minhas críticas amargas para o trabalho dos “caras mais importantes na hora de se fazer um filme”, ou seja, os diretores), que escreveu cenas de romance bregas e sem muito compromisso com a realidade (Sandra Bullock ataca o relutante parceiro interpretado por Ben Chaplin, que primeiro se mostra em dúvida, mas logo depois resolve atacar a miss simpatia), mas o grande problema do filme está na forma como foi conduzido pelo diretor Barbet Schroeder. Ele não soube tornar a história melhor do que estava no papel e o resultado é medíocre. 
 
Óbvio que como entretenimento de suspense, a produção funciona. Geralmente as pessoas querem assistir filmes pretensiosos que tentam transmitir mais inteligência e charme do que de fato possuem. Bem ao contrário de Paranoia, estrelado por Shia LaBeouf, que é uma versão sem vampiros de A Hora do Espanto e que não tenta iludir o espectador. Além do velho jogo de detetive feminina precisa investigar um crime cometido por dois adolescentes espertinhos, a combinação do carisma de Bullock e da presença de Michael Pitt e Ryan Gosling funciona para colocar o filme como uma boa opção de diversão para uma noite chuvosa. Claro que você precisa estar acompanhado para tornar a experiência ainda mais gratificante, né?
 
De qualquer maneira, o motivo real de Cálculo Mortal ter aparecido aqui nas páginas do Cinema de Buteco, é que esse é o primeiro filme que me vem na cabeça quando lembro de uma pessoa. Na época, pensava que era apenas pela comparação feita entre a minha personalidade e o personagem de Pitt: “Você é como aquele menino loirinho bonitinho de Cálculo Mortal, sabe? Ele era muito estranho, assim como você, e eu realmente gosto de pessoas estranhas…”. Mas depois de assistir o filme novamente, percebi detalhes interessantes na construção da personagem de Bullock. 
 
Depois de passar por um forte drama pessoal (o que é clichê e mal feito, diga-se de passagem), ela passa a viver com a ambiguidade de ser uma mulher durona e ter que encaixar a sua feminilidade “selvagem” naquilo que tenta ser. Cassie (Bullock) é apresentada como uma hiena, a forma pejorativa que seus colegas inventaram para chamá-la de machona. Ela é sim muito masculina em seus gestos e atitudes, assim como na forma em que tenta levar o parceiro (Chaplin) para a cama. 
 
Aquela “grosseria” pode ser quase considerada como a ausência da feminilidade de Cassie, todo o escudo que ela levanta depois de conseguir o que queria é só o jeito dela se “proteger” do que pode dar errado ou não. Provavelmente essa pessoa que me comparou com o Pitt, deve ter se enxergado muito nas atitudes de Cassie, que no fim das contas, é uma personagem interessante, mas que por algum motivo inexplicado passa a desconfiar que dois estudantes eram os responsáveis pelo assassinato que conduz a trama.
 

Cálculo Mortal não chega a se perder, mas fica bem próximo disso depois de tantas reviravoltas na etapa final. Destaque para o franzino personagem interpretado por Gosling, que na época ainda era apenas um garoto tentando mostrar serviço para os executivos da indústria. Pitt, o menino estranho que serviu como pretexto para ser utilizado numa “cantada”, também merece a atenção, mesmo com toda a frieza e apatia de seu personagem, que hora nenhuma nos convence de que está falando a verdade. Talvez ele seja exatamente um elemento de atração para essa minha amiga, pois se era a estranheza dele que a deixava curiosa ao meu respeito, era a frieza e apatia dele, que o tornou tão atraente para ela mesma. Aquela velha história de que o cinema é nada mais que uma forma de enxergar nossos próprios reflexos.

(Texto produzido em 2012)