Crítica: Um Limite Entre Nós (2016)

ADIEI PARA ESCREVER ESSA CRÍTICA PORQUE PRETENDIA REVER CERCAS (Fences, 2016). Todo mundo está falando tão bem da obra, que me sinto um babaca por não ter gostado. Acabei desistindo de rever e aceitando que sou mesmo um babaca na maioria das vezes, mas que não gostar de um filme não é motivo para reforçar esse “elogio” que recebo constantemente.

Cercas apresenta Troy Maxson, um lixeiro frustrado pelos seus sonhos não realizados. Durante muitos anos, ele quis ser um jogador profissional de baseball, mas acabou parando na barreira do racismo. Por esse motivo, Troy passa a criar problemas para o filho mais novo, que deseja jogar futebol americano. O seu filho mais velho também sofre com as frustrações do pai, que consegue brigar pelos motivos mais simples. A única pessoa que suporta Troy e seus ataques de raiva é Rose, sua esposa durante 18 anos.

Troy é uma figura fascinante. A partir dos seus dramas pessoais, ele se torna um homem duro e agressivo. Sua tristeza pela falta de sorte na vida é projetada nos próprios filhos. É como se ele quisesse impedir de os sonhos dos outros se realizando. Esse comportamento egoísta e invejoso é na verdade sua forma de proteger os seus filhos de sofrerem o mesmo que ele.

Essa é a terceira vez em que Denzel Washington assume a direção. Ele já havia dirigido Voltando a Viver (2002) e O Grande Debate (2007) e agora retorna num projeto mais pessoal. Oportunidade perfeita para um dos principais atores de todos os tempos mostrar serviço e ter a certeza de que a produção sairia exatamente do jeito que imaginou. Pena que esse jeito não seja capaz de agradar a qualquer tipo de público.

O meu problema com o filme é que fiquei de saco cheio da quantidade de papo. Eu gosto de muitos diálogos, especialmente os inteligentes (como é o caso aqui), mas se a narrativa não me conquistar, vou ficar pensando no que irei comer na hora do almoço ou em ideias românticas para conquistar um coração ou olhar o WhatsApp. Cercas não prende a atenção do público e necessita de uma boa dose de dedicação da nossa parte para funcionar. Ou seja, fique atento se você for do tipo de pessoa que gosta de produções agitadas e fica entediado com muito papo furado. Cercas é 100% isso.

Me incomoda profundamente também quando tentam levar para o cinema um pouco do teatro. Cada um no seu quadrado, sabe? Dúvida (Doubt) foi o longa-metragem que me fez ficar apaixonado pelo trabalho de Viola Davis, e também sofria do mesmo mal. Narrativamente é muito arrastado e precisamos ter uma paciência de Jó para conseguir dar conta. Washington faz questão de comandar o seu elenco como se estivessem todos num palco e isso, por melhor que seja o resultado, não me agrada como cinema. Falta naturalidade e tudo em cena parece exagerado.

Vale lembrar que Washington e Davis receberam o Tony Awards em 2010 por conta da versão Broadway de Cercas. Comentários de críticos afirmam que o longa-metragem é uma adaptação 100% fiel do teatro. É como se a adaptação fosse apenas uma necessidade de Washington em imortalizar um de seus grandes momentos da carreira e prestar uma homenagem ao premiado autor August Wilson.

Mesmo não funcionando para mim, e provavelmente para boa parte do público que não está acostumado com esse tipo de produção, Cercas é cheio de méritos, principalmente no trabalho do seu elenco. Devidamente reconhecidos com uma indicação ao Oscar de Melhor Ator e Atriz Coadjuvante, respectivamente, Washington e Davis dão uma aula de interpretação nessa bela história sobre os fantasmas e traumas que nos atormentam.