Resenha: Virgem depois dos 30 – Atsuhiko Nakamura e Bargain Sakuraichi

A evolução das redes sociais e a popularização da internet permitiram o contato facilitado
entre pessoas distantes geograficamente. Na contramão, o atual retrato da sociedade mundial mostra
uma melancólica tendência de afastamento entre pessoas próximas geograficamente. A solidão e o
isolamento são respostas, muitas vezes inconscientes, à uma comunidade doente e individualista,
inclinada à exclusão.
Atuando como gestor em uma casa de amparo a idosos, Atsuhiko Nakamura começou a
identificar um padrão de comportamento tóxico em alguns sujeitos e decidiu realizar um estudo
mais aprofundado sobre eles. Segundo seus levantamentos, estima-se que no Japão atual exista mais
de duas milhões de pessoas acima dos trinta anos que jamais mantiveram relações sexuais, o que
equivale a assustadora proporção de um a cada quatro japoneses nessa faixa etária.

“Os encontros promovidos para apertos de mão e seção de autógrafos são a ocasião
perfeita para esses otakus tentarem ser notados pela sua idol favorita. É um momento de
competição entre eles e, para isso, o idol otaku que se preza toma banho e se perfuma. Bem
diferentes dos fãs de anime, que não se dão ao trabalho nem de escovar os dentes… Já soube
de otakus com os dentes derretidos dentro da boca, por causa das cáries.”

Nakamura ouviu diversos relatos e publicou oito dessas histórias, que, posteriormente,
foram transformadas em um mangá-documentário pelos traços sujos e realistas do mangaká Bargain
Sakuraichi. Após chocar o Oriente e fazer sucesso na França, Virgem depois dos 30 chega ao
Brasil pelas mãos competentíssimas da Pipoca & Nanquim, editora capitaneada por Alexandre
Callari, Bruno Zago e Daniel Lopes, que está causando um necessário rebuliço no mercado de
quadrinhos brasileiro, com um trabalho apaixonado e um esmero comovente.
Inaugurando o selo Drago, braço de mangás da editora, a obra incomoda em sua estética
visceral, que flerta com o caricaturesco, ao passo que escancara uma realidade esquisitamente cruel.
Virgem depois dos 30 não é um trabalho para menores, nem para maiores sensíveis a determinados
temas, em virtude de conter diversos gatilhos emocionais, devidamente alertados em sua sobrecapa
(maravilhosa, assim como a capa).

“Muitos virgens de alta escolaridade já foram bem-sucedidos na área acadêmica. Porém, eles
continuam sendo excluídos pela sociedade, igual aos de baixa escolaridade, por não
conseguirem superar o grande desafio que são as mulheres e a comunicação social.”

O primeiro personagem retratado é Sakaguchi, nome fictício dado ao homem que trabalhou
com Nakamura no chamado centro-dia e despertou o interesse do autor nos casos. Aliás, é
destacado na obra como o sistema trabalhista japonês empurra essas figuras marginalizadas para o
serviço de cuidadoria de idosos, por ser uma função desprezada e que não exige grandes formações
dos candidatos.
Sakaguchi não possui qualquer tino para a comunicação social. É introvertido, tímido, e
quando se expressa é agressivo, ofensivo e age sempre com o intuito de humilhar os colegas. Aos
poucos, todos seus companheiros de trabalho vão se demitindo, em razão da impossibilidade de
aturá-lo. Sakaguchi apresenta zero produtividade, sendo um verdadeiro peso para seus
empregadores. Ao mesmo tempo que não possui auto-estima, ele, assim como diversos outros
virgens de meia-idade, carrega uma elevada carga de arrogância, tendo a certeza de que o problema
está sempre nos outros.

“Não quero apelar pra esses lugares que vendem sexo… eu ia me sentir sujo de corpo e
alma… sei que tenho 44 anos e ainda sou virgem, mas… um dia… tenho certeza que vai
aparecer uma mulher que vai me aceitar do jeito que eu sou…!! Até lá, vou me manter limpinho como virgem.”

As outras figuras expostas se assemelham em vários aspectos com o primeiro elemento,
como na disposição ao isolamento, na dificuldade de relação interpessoal, por terem sofrido
bullying em algum momento da vida, além da inafastável vocação para a autodestruição. Porém, os
virgens depois dos 30, uma vez que foram marginalizados, encontram refúgio em esconderijos
distintos, cada um com suas especificidades: tem o virgem acadêmico, o otaku fã de anime, o otaku
fã de idols, o que quer acreditar ser homossexual, o que persegue o sexo no cinema pornô, o ativista
de extrema-direita, o fanático religioso, dentre outros.
A realidade é que o caso dos virgens de meia-idade é um gravíssimo problema social do
Japão, país que ainda não superou o término da prolongada era dos casamentos arranjados e tem
uma enorme dificuldade em aceitar a liberdade sexual e profissional da mulher. Existe um crescente sistema desfuncional que sustenta uma máquina de criar seres inúteis, alguns que apenas se
consomem, enquanto outros são capazes de atacar, por meio de abuso e assédio sexual, pedofilia,
misoginia e xenofobia.
Com a tradução impecável de Drik Sada, Virgem depois dos 30 é uma leitura dolorosa, e, principalmente por isso, obrigatória para todos os brasileiros.

Título: Virgem depois dos 30
Autor: Atsuhiko Nakamura
Ilustrador: Bargain Sakuraichi
Tradutora: Drik Sada
Editora: Pipoca & Nanquim
Número de páginas: 244
Gênero: Mangá-documentário