Filme: Pecados Íntimos

de Todd Field. Com: Kate Winslet, Jennifer Connelly, Patrick Wilson, Jackie Earle Haley.

Todd Field não produzia desde Entre Quatro Paredes, filme que o consagrou como diretor (recebeu a indicação máxima naquele ano, entre outras),e que discutia a hipocrisia típica da família americana. Ele retorna a temática agora com Pecados Íntimos, com muito mais êxito. Aqui o diretor consegue elevar a identificação que normalmente temos com os personagens a outro patamar: não só entendemos suas motivações e percepções diante daquilo que vivem, mas identificamos em nós as mesmas características, e o resultado disto não é dos mais agradáveis.

O filme é a história de Sarah (Katie Winslet), mulher casada e mãe de uma filha, que não se reconhece na vida que leva ao lado do marido ausente (não dorme com a mulher e prefere sexo virtual), e nas competências que a maternidade lhe trouxe, nais quais não consegue ser bem sucedida. Segundo a narração do filme, seu olhar sobre as pessoas ao seu redor é o de uma antropóloga, analisando as idiossincrazias próprias das mulheres daquele bairro, sempre acomodadas e preocupadas com os mínimos detalhes domésticos, para que nada saia do controle. Sarah definitivamente não nasceu para isto.

A outra ponta da história é Brad (Patrick Wilson), que, formado em direito, há dois anos não consegue passar no exame da ordem, e tem que se contentar em cuidar do filho durante o dia, enquanto sua mulher, Kathy (Jennifer Connely, linda como sempre) trabalha e cuida das despesas da casa. Sempre obrigado a abrir mão de suas vontades materiais (como assinaturas de revistas masculinas, ou um celular), se sente frustrado por não ter prosseguido naquilo que considera ser sua verdadeira vocação: o skate. Prefere ver os garotos do bairro praticarem skateboard ao invés de estudar para a próxima prova do exame, e ver neles aquilo que poderia ter sido.

Paralelamente a isso (sim! o filme tem muitas histórias, e dá um tratamento igualmente satisfatório a elas) temos Ronnie McGorvey (Haley), que cumpre pena condicional por ter se exibido para um menor de idade – é um pedófilo. Volta a viver com sua mãe neste mesmo bairro, o que, em se trantado de um bairro extremamente tradicional, interfere drasticamente na rotina daquelas pessoas.

Como não poderia deixar de ser Brad e Sarah acabam se apaixonando e Ronnie, é perseguido pelo crime que cometeu.

Num filme que se propõe a examinar minuciosamente a vida de cada uma daquelas pessoas, nada mais conveniente do que uma narração em off, típica de um documentário do Discovery Chanel. E é com esta narração que acompanhamos as ações, de Sarah e Brad e a forma com que lidam com essa paixão: sua reação às situações, ou a forma como os laços entre eles são criados, é de uma imaturidade bem perceptível (o título original do filme é Little Children) mesmo se tratando de dois adultos. E isso desde o momento de seu primeiro “beijo” (que mais parece uma brincadeira de criança), e nas suas ações impensadas, sempre impulsivas, que na verdade escondem uma busca pela fuga daquela realidade. Mais do que amor propriamente, Sarah e Brad enxergam um no outro, ideais daquilo que gostariam de viver, uma saída para a vida de adulto, que a despeito de suas vontades, se impõe sobre os sonhos e projetos que haviam feito pra si um dia. Mas a pergunta que nos fazemos é: isso é suficiente para que os dois vivam juntos? Vale aqui falar sobre a atuação de Wilson, e sobretudo Winslet, como sempre em uma atuação perfeita, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar.

Quanto a história de Ronnie, o que temos é a crítica de uma falsa moral, à qual todos tendemos. Ele cometeu um crime, conseguiu por meios legais viver em “liberdade”, e, apesar de ainda sentir atração por crianças (afinal é um traço patológico, que nãos se elimina, aprende-se a conviver com ele), nunca leva isso a prática. Mesmo assim, é hostilizado por toda a comunidade, (a cena da piscina é magistralmente concebida por Field), e até sua mãe sofre as consequências disto. O que dá aquelas pessoas o direito de julgá-lo desta forma? Não temos todos nós pecados íntimos, que se trazidos a público poderiam causar a mesma reação?

E quanto ao casal, Brad e Sarah? O que faz com que dois adultos, com a vida de certa forma constituída, joguem para o alto tudo o que tem, em troca de um namoro quase adolescente? Quando falava da sensação que temos ao fim de Pecados Íntimos, é a isso que me referia: ao medo que, no fundo, todos temos de ver nossos projetos de vida não concretizados, e sermos obrigados a viver presos dentro de uma realidade que não é a nossa. Medo do absurdo que a vida se torna para pessoas assim.

Entretanto não há como ser de outra forma. Somos assim: seres eternamente insatisfeitos, e reside aí a nossa particularidade.