Biutiful

Comovente, penetrante e humano. Biutiful é daqueles filmes pra sair do cinema com outra perspectiva de mundo, coisa que pra mim só Iñárritu do alto de sua majestade consegue fazer. Poderia ficar aqui 3, 4 parágrafos rasgando seda para Iñárritu, já que não é nenhum segredo que é o meu diretor favorito e que capta com maestria a realidade e acima de tudo a fatalidade como mais ninguém consegue. Porém não posso fazer vista grossa com algumas coisas que digamos… não foram tão bem assim. Biutiful sem dúvidas foi o tão aguardado retorno de do diretor, dois anos depois de Arriaga e se arriscando muito mais que seu ex-companheiro, Iñárritu provou que é possível sim fazer um filme de amplitude mundial sem ser em língua inglesa, pra botar muito americano sentado 2 horas e meia acompanhando os “subtitles”.

Biutiful conta história de Uxbal, um típico sobrevivente da vida e, apesar de se passar na espanha, com muita cara de latino. É o tipo de pessoa que se enxerga fácil andando pelas ruas do Rio e São Paulo, ou como o diretor mostrou até mesmo em uma Madrid não enxergada pelo resto do mundo. Acho que o filme veio muito a calhar com a crise espanhola, a decadência pela qual o país vem passando, o excesso de imigrantes que gera o xenofobismo, o comércio ilegal, tudo isso é muito bem retratado pelo diretor. Parece que tudo era um nó atado na garganta que Iñárrito fez questão de cuspir.
No meio dessa crise cosmopolitana está Uxbal que é desde médium a atravessador de produtos ilegais (não chega a ser o camelô mas é quem fornece a mercadoria), além disso arranja tempo para ser cumplice da corrupção com a polícia, pai dedicado e divorciado de dois filhos e adivinhem… Ainda descobre que tem um câncer de prostata (só Iñárritu mesmo).
Inegável que o diretor evoluiu muito na sua direção, a fotografia marginal, está tudo muito caprichado no filme, realmente incrível, nem dá para sentir a falta de Arriaga na direção de arte. A Madrid mostrada não é aquela das fotos, mas sim outra, suja, largada, rodeada por lixões e pessoas com afeição opaca. Tudo que agente admira em Iñárritu está lá, e bem melhor, diga-se de passagem.
Agora é inegável que o braço forte de Arriaga no roteiro fez muita falta. Iñarritu perde completamente a noção de timing nas cenas, algumas até meio que prosaicas que não farão diferença alguma na história, uns personagens que quase soam caricaturados, mas que são salvos pela atuação dos atores, que dão um show. Mas eu aposto que se Arriaga tivesse junto, das duas uma, ou o filme não teria 2 horas e meia ou os personagens secundários teriam sido muito mais explorados em todo esse tempo de filme.
Uxbal é tão carregado de drama, mas tão carregado, que se não fosse a interpretação de Javier Bardem, que passa longe de ser bem humorada, o personagem tinha caído no caricato do tipo… óh vida, óh céus… Muito lei de Murphy. Na trilogia da dor com a companhia de Arriaga parece que o “carma” é dividido entre os personagens, cada um deve sofrer um pouquinho, em Biutiful é tudo despejado em Uxbal, e o que os outros personagens sofrem é apenas consequência de seus atos.
Apesar de Iñárritu afirmar que queria acabar com o sistema castas em suas produções, não é isso que percebemos por que as outras histórias ainda existem, e estão lá, só que mais apagadas, sem o elo forte que unia as histórias como em “Babel” (2007) e “Amores Perros” (2000). Os imigrantes estão lá, e coitados… pagam um preço. Coitada da Ige além de ser imigrante negra, com um filho criança ainda tinha que passar por tudo que passou, e os chineses então… nem se fala… é muita bad trip pra um filme só.
Javier Bardem está, como se diz… Brilhante! Carrega todo o drama do personagem nas costas, com uma caracterização dura, fechada, pra não deixar em momento algum o personagem cair no ridículo, já que muitos fatores levam à isso: a questão de ele ver mortos, de passar mal por causa da doença, de explorar os imigrantes, de estar o tempo todo se questionando sobre a vida, lidar com os filhos malcriados, a ex-mulher bipolar…putz qualquer um outro estaria virando o olho (como eu disse o roteiro ficou uma mini baguncinha), mas não Javier, ele foi consistente até o final, que diga-se de passagem foi muito bem feito… Emocionante a conversa com o pai.
Outros destaques são Maricel Álvarez muito bem na pele da bipolar Marambra, Diaryatou Daff e sua performance do silêncio (essa mulher é muito foda) vivendo a africana Ige, Guillermo Estrella que vive o caçula de Uxbal (quero muito apertar aquelas bochechas), enfim, salvo uns e outros o elenco está muito bem.
No mais é isso, quando Uxbal logo no inicio descobre sua doença, começa sua busca pela redenção, querendo fazer o bem ao próximo, ao mesmo tempo tendo que juntar dinheiro para os filhos, 1001 coisas dando errado, a incrível reviravolta no caso dos imigrantes chineses e a puta culpa que recai sobre os ombros de Uxbal, o fim previsto para os imigrantes africanos… Enfim, tudo muito bem ressaltado, mas que podia ter sido encaminhado de uma forma mais calma e mais sensata, prendendo o espectador no drama o filme todo, como Arriaga fez no seu vôo solo em “Burning Plain” (com a incrível Jennifer Lawrence).
Intercalando cenas de drama muito carregadas e momentos digamos blazê (salvos pelos olhares profundos de Ige), Biutiful sem dúvidas é uma grande pedida para ir ao cinema, e apesar de deixar alguns cacos pelo caminho é muito difícil alguém se comparar à obra de Iñárritu, por isso tudo e por ter se arriscado na sua língua materna, sem dúvidas Iñárritu e seu Biutiful são os melhores de 2010! Sem dúvidas! É pra todo mundo sair do cinema falando “que filme Biutiful”, e puxando o élezinho. Ah! São 5 caipirinhas, claro!
(Olha eles!! rsrs)

Direção: Alejandro González Iñárritu
Roteiro: Alejandro González Iñárritu
Armando Bo
Nicolás Giacobone
Elenco: Javier Bardem
Maricel Álvarez
Diaryatou Daff
Cheng Tai Shen
e Eduard Fernández
Ano: 2010
Duração: 2h.e 28min.