Cabo do Medo

UM DOS RISCOS QUE UM CINEASTA COM UMA EXTENSA FILMOGRAFIA CORRE É ACABAR ERRANDO A MÃO VEZ OU OUTRA, realizando projetos que não chegam à altura de sua carreira. Por mais genial que o realizador seja, isso acaba acontecendo. Basta ver Woody Allen, Steven Spielberg (em seus anos mais recentes), e até mesmo Martin Scorsese.

Cabo do Medo não é o seu pior trabalho, mas não caminha à altura de seus excelentes Os Bons CompanheirosOs Infiltrados e Touro Indomável, graças ao roteiro formulaico e sem criatividade concebido por Wesley Strick (que também escreveu Doom e Aracnofobia). Apesar do roteiro, o filme está repleto da linguagem genial de Scorsese, e ainda acaba fazendo uma homenagem a outro mestre: Alfred Hitchcock.

Esta homenagem é deixada clara logo nos créditos iniciais, criados por Saul Bass, responsável pelas aberturas de filmes icônicos de Hitchcock, e pontuada pela trilha de Bernard Herrmann, outro colaborador do cineasta. Trazendo performances carregadas e indicadas ao Oscar de Robert de Niro e da jovem Juliette Lewis, este remake de Círculo do Medo ainda conta com os veteranos Nick Nolte e Jessica Lange, além de alguns atores do filme original de 1962.

Max Cady está solto depois de 14 anos na cadeia e logo passa a perseguir e ameaçar a família de Sam Bowden, advogado que ocultou uma prova que poderia ter evitado sua prisão anos antes, quando ele foi acusado de estupro e agressão. O que Sam não sabe é que durante o tempo em que Max ficou na cadeia, ele aprendeu tudo o que podia sobre direito. Logo, não demora até que ele supere o advogado no seu próprio jogo, o que acaba refletindo no seu casamento já em crise e na relação com a sua filha.

Aliás, Sam merece o prêmio de pior advogado do ano, por tomar algumas medidas desesperadas que até o mais leigo evitaria, e que acabam por incriminá-lo várias vezes durante o filme. Não me parece algo que um advogado experiente faria, mas, de qualquer maneira, Nick Nolte demonstra com veracidade o desespero crescente de seu personagem.

O filme está repleto de movimentos de câmera rápidos (chicotes) em diálogos importantes para a trama e de cortes bruscos na edição (montagem da eterna parceira do cineasta, Thelma Schoonmaker), que casam bem com o gênero do filme, e que são recorrentes na filmografia de Scorsese. Mas é o uso da trilha sonora que impressiona.

Utilizando o mesmo tema musical, o cineasta emprega a trilha em cenas aparentemente tranquilas na primeira parte do filme, apenas para antecipar a presença do antagonista na tela. Já na cena da conversa e do beijo entre Max e Danny, Scorsese não usa trilha nenhuma, reforçando o asco sentido pelo espectador ao mesmo tempo em que representa o abuso da inocência da jovem.

Com o ato final completamente previsível, De Niro acaba tendo, ali, os seus melhores momentos do filme, ao representar assustadoramente a loucura do seu personagem. Aliás, a religião é outro tema recorrente na carreira do cineasta, e aqui ele a usa para tornar o seu vilão ainda mais ameaçador.

Como falei antes, não é nem de longe um dos melhores filmes de Scorsese. Mas é uma boa diversão, carregada de performances fantásticas e que ainda serve como uma ótima homenagem a um dos maiores gênios do cinema.

cape fear posterTítulo original: Cape Fear
Direção:Martin Scorsese
Produção:Barbara De Fina
Roteiro:Wesley Strick
Elenco:Robert De Niro, Nick Nolte, Jessica Lange, Juliette Lewis, Joe Don Baker, Robert Mitchum, Gregory Peck
Lançamento:1991
Nota:[quatro]