Crítica de Soul: Uma Lição Para Todos

soul crítica do filme

Crítica de Soul: Uma Lição Para Todos

Aquela velha história de que animação é coisa de criança não cola mais. Quer dizer, já não cola há muito tempo. Até gravamos um podcast sobre o assunto em 2019. Há, também, alguns que dizem que a Pixar faz filmes para adultos, e não para o público infantil. Acho isso um tremendo exagero. Criança é muito esperta e capaz, sim, de entender assuntos que nós consideramos complexos demais pra elas. Soul (EUA, 2020) pode ter momentos confusos para a compreensão delas, mas não deixa de ser uma obra necessária, sobretudo hoje em dia.

História

Dirigido por Pete Docter (Divertida Mente, Up) e Kemp Powers, o filme conta a história de um professor de música que recebe a oportunidade da sua vida, mas um acontecimento o leva a uma outra dimensão, para fora do seu corpo. Inicialmente, você pode pensar que uma discussão sobre alma e mundo espiritual seja uma aposta excessivamente ousada de Hollywood, e eu entendo. A produção traz à tona reflexões sobre propósito, legado, personalidade e morte, temas amplamente discutidos por adultos. Os chamados “papos cabeça”, como costumamos dizer. Então, um indivíduo de cinco, sete anos, vai absorver isso?

De novo, vai sim. Não subestime o intelecto de alguém por causa da sua idade. Além disso, Soul tem vários momentos engraçadinhos e personagens fáceis de se identificar para crianças (22, os bebês do pré-vida, Connie). A temática da película não lhe impede de conversar com tal público.

O legado importa?

O Leo Lopes acertou em cheio ao utilizar a palavra “legado” para descrever Soul. Isto porque somos pressionados, desde mais novos, a ter uma vida significativa. Para uns, isso é sinônimo de prêmios; para outros, likes e seguidores em redes sociais; alguns ainda acham que dinheiro é sinônimo de uma vida bem-sucedida. Cada um tem a sua definição de vida e o que é necessário para ser feliz e se sentir satisfeito quando deixar o planeta. A personalidade, criação, experiências e crenças são alguns dos grandes influenciadores dos pensamentos dos indivíduos.

O que Soul tenta nos mostrar é que, às vezes, cobramos demais de nós mesmos. Aliás, muitas vezes até conseguimos o que queremos e isso não continua não sendo suficiente. É como se sempre faltasse algo, sempre quiséssemos mais. Por que será? Joe (Jamie Foxx) acredita que se tornar um grande artista de jazz, inspirado por outros nomes históricos do gênero, ira preencher o vazio que sente e tornar sua existência marcante. Dividir o palco com Dorothea (Angela Basset) seria algo inimaginável pro pianista. Se fosse fácil assim, quase não existiriam pessoas infelizes no mundo. O buraco é mais embaixo.

Depressão e alma

Calma, pais ao redor do mundo. Soul não discute sobre depressão. Trago a doença à tona porque muitos seres humanos afetados por ela são justamente aqueles que consideram as suas vidas inúteis ou não conseguiram encontrar um propósito. Consideram-se pequenos, um peso para a família, não têm nada a acrescentar no mundo. A pequena 22 (Tina Fey), por exemplo, que o protagonista é encarregado de ser o mentor no pré-vida, nem nascer quer. Ela acha que a vida é muito chata, sem sentido. Hum, é mesmo? Ela não tem depressão, mas uma pessoa mentalmente doente pensa assim.

Fiz um curso chamado The Science of Well-Being e ele deixa bem claro, por meio de pesquisas, que estar bem consigo mesmo está na nossa cabeça. Às vezes, achamos que melhorar o salário, casar ou comprar uma casa vai nos fazer feliz. Quando conseguimos isso, vemos que seguimos do mesmo jeito. Motivo: a felicidade plena não é alcançada assim. Aliás, podemos ser felizes com muito “menos”. O processo de evolução da alma é, justamente, perceber o belo em coisas pequenas: num café da manhã saboroso, na companhia de alguém que ama, no barulho da chuva, na vitória de um time, no sorriso de um amigo que estava triste. Encontramos momentos alegres e repletos de amor em momentos variados, basta saber reconhecê-los e dar-lhes valor. Mas é um exercício que precisamos fazer aos poucos, com lembranças, gratidão, trabalho voluntário, meditação, entre outros.

Veredito

A mensagem é para todos. Soul nos ensina a valorizar a vida e o agora. Para isso, leva-nos a uma viagem profunda sobre a alma. Se existem pessoas que precisam aprender isso são as crianças. Aliás, considero o filme um prato cheio para os pais deste competitivo, às vezes superficial, e doido mundo real. Quem me dera ter visto uma animação dessas na minha infância. Só não gostei de uma decisão do roteiro no final (não darei spoiler, é claro).

Deve vencer o Oscar 2021 de melhor animação e é com todos os méritos. Vivemos num momento difícil da humanidade, que mais do que nunca precisa de uma lição como essa. Especialmente as gerações futuras.

Crítica de Soul: Uma Lição Para Todos