Um Lugar Qualquer


(Somewhere) De Sofia Coppola. Com Stephen Dorff, Elle Fanning, Chris Pontius, Michelle Monaghan.

Sofia Coppola completou pouco mais de dez anos de carreira, desde que lançou seu primeiro filme, o forte Virgens Suicidas. Desde então mais três filmes, um Oscar (de Roteiro Original pelo genial Encontros e Desencontros), críticas (que se deveram mais à cobrança pelo filme anterior, do que à deméritos de Maria Antonieta) e o aguardado retorno (premiado em Veneza) em Um Lugar Qualquer, talvez o mais calmo e silencioso de todos, e que certamente recoloca Sofia no lugar de respeito que merece, já que reafirma um estilo e legitima uma realizadora totalmente autoral, que poderia ter sofrido influências de seu pai, mas que preferiu seguir seu próprio caminho, criando uma temática própria recorrente em sua produção, mas tratada em suas variações em cada história contada: a atenção de Sofia Coppola se volta para o desajuste, a contradição entre indivíduo e o meio em que vive, o papel que tem que cumprir e aquilo que ele deveria de fato fazer, mesmo que esteja perdido o bastante para não se dar conta disso.

Seus protagonistas estão sempre em um estado de apatia visível, ao que tentam responder recorrendo, cada um deles, a artifícios que os impeçam de pensar, de refletir sobre si mesmos. Até que, no decorrer da história há um fator que gera conflito, mesmo que interno, não deliberado, mas que transformará a visão daqueles personagens sobre si mesmos. O amor, o poder (ou a eminência de seu fim) e no caso de Um Lugar Qualquer, a visita de uma filha.

O pai em questão é Johnny Marco (Stephen Dorff), um astro de cinema que vive num luxuoso hotel em Las Vegas. Entre visitas de strippers em seu quarto e flertes com outras moradoras do lugar, Johnny parece estar mergulhado num estado de tédio e inércia, sempre à espera das constantes ligações de sua agente, que o lembra de seus compromissos de estrela hollywoodiana. A idade parece estar chegando (o que ele percebe durante uma seção de maquiagem para um filme – fato que fica evidente graças a atuação delicada de Dorff) e os divertimentos que outrora lhe satisfaziam, agora parecem perder sentido: ele dorme enquanto faz sexo com uma mulher que conhece numa noite; nunca lembra o nome de suas parceiras, o que fatalmente lhe faz ser odiado pelas mulheres; não consegue estabelecer contato algum com as pessoas (mesmo que esteja acontecendo uma festa em seu apartamento, ele parece ser o mais deslocado de todos), e sua profissão, ou o modo como ela é vista pela imprensa, não parece ajudar muito, já que a banalização da figura da celebridade só parece tornar Johnny um objeto de consumo (tanto que quando um repórter lhe pergunta sobre quem seria o verdadeiro Johnny Marco, não existe uma resposta: não há um ser humano por trás daquela figura aparentemente feliz e realizada).

É quando chega em sua vida Cleo (Elle Fanning) que deve ficar um tempo com o pai, já que sua mãe vai viajar por tempo indeterminado. Com a presença da filha os hábitos naturalmente mudam. Ele troca o sexo fácil por um sorvete em frente a TV, e tem que aprender a lidar com a presença dela, que demanda certos cuidados (algo que ele percebe novamente sem que seja dita uma palavra, durante um café da manhã – Johnny tem que amadurecer).

O dado do silêncio é importante para entender Um Lugar Qualquer, já que a maior parte das cenas é composta de imagens descritivas, de momentos prosaicos, mas que falam muito: tanto da solidão, como dos laços que começam a se constituir entre pai e filha. Pois os laços não reapareceriam com uma discussão verbal sobre a relação dos dois. É na vivência mútua, no cuidado, no carinho (recíproco, gratuito) que este laço acontece. Quando se dá conta disso(ou quando percebe que sua vida não faz mais sentido sem que ele assuma essa figura de pai), Johnny Marco percebe que há algo de errado, e decide mudar tudo. Pois quando não se é nada, é bem mais fácil recomeçar. Sempre é tempo de pedir desculpas e seguir em frente. E porquê não fazê-lo, deixando os erros para trás?

Sem a atuação do par de protagonistas, Stephen Dorff e Elle Fanning, Um Lugar Qualquer não seria possível. Cada reação, cada pensamento é expresso no olhar, no gestual. Não há rompantes de crise emocional (exceto em dois momentos, quando ambos os personagens se deparam com uma espécie de medo do que lhes pode acontecer dali para frente), mas sim percepções que vão configurando afetos, e quando pai e filha se dão conta, estão ligados novamente, sem nenhum pedido de desculpas (tanto que Cleo não consegue ouvir quando o pai lhe pede desculpas verbalmente: atos falam mais que palavras). Vale destacar também a participação de Chris Pontius, astro de Jackass, que aqui aparece como um divertido amigo de Johnny.

Um Lugar Qualquer é um filme leve, bonito e triste ao mesmo tempo, já que fala do tempo que se perde andando por caminhos errados, que por mais que demoremos a acreditar ou perceber, não levam a lugar algum. Recomendo.