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Entre Facas e Segredos – Crítica

Entre Facas e Segredos (EUA, 2019) é um murder mystery moderno de comédia/suspense, que resgata a tradição dos livros, contos e filmes do estilo Whodunit. Este é característico por histórias policiais, nas quais um crime sem solução se apresenta como ponto de partida, em que cabe ao espectador tentar adivinhar — como o próprio nome já diz — quem o cometeu. Nesse tipo de narrativa, há uma fórmula simples e interessante de interação com o público, na qual a plateia tem participação quase ativa: ao ser apresentada às personagens com ligações ao crime cometido e à vítima, com motivos para serem suspeitos, cabe à audiência desenvolver teorias e, como detetive, solucionar o caso.

A narrativa

No filme dirigido por Rian Johnson (Looper, Star Wars: Episódio VIII), acompanhamos as investigações da morte de Harlan Thrombey (Christopher Plummer), famoso escritor de livros policiais que, após sua festa de 85 anos, cercado por membros da família, teria cometido suicídio. O longa começa de maneira bem habitual e caricatural, valendo-se dos excessos e clichês do gênero, mas a partir do segundo ato, o diretor toma outra direção e procura oferecer uma nova roupagem ao clássico estilo de filmes de detetive.

Em flashbacks exibidos durante os depoimentos dos presentes na noite do crime, Johnson nos apresenta, de maneira muito interessante, os acontecimentos que de fato ocorreram naquela noite, mesmo que sejam conflitantes com a narração do personagem que dá seu ponto vista. Infelizmente, ao revelar pontos reais da história, que não seriam obtidos por meio dos papéis, a obra nos coloca em um lugar de passividade, ou seja, o oposto à proposta do gênero. E, pior, o cineasta, aparentemente empolgado com as revelações, fornece detalhes demais e explicita rapidamente os pontos principais da trama — chegando a revelar quem teria cometido o crime com 25 minutos de enredo. A revelação, além de tirar o mistério do murder mystery, faz com que o filme acabe perdendo um pouco em força de narrativa, pois, uma vez que já sabemos da participação de certos personagens no crime, eles perdem relevância para a trama.

A infração das regras do estilo, ou mudança de rota, altera drasticamente a recepção da película. A partir de certo momento, o foco principal recai sobre a questão da herança da vítima, e não mais sobre a justiça e a punição do criminoso. O novo foco é bom, mas muito menos interessante do que o ponto de partida original, e, por isso, Johnson tenta voltar atrás. Ele procura novas revelações para a questão do crime, só que termina apresentando reviravoltas pouco atraentes, que em nada contribuem com aquela sensação de “eu sabia que tinha caroço nesse angu!”, típica do desfecho de filmes de detetive.

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Elenco desperdiçado

O elenco, mesmo sendo ótimo e recheado de grandes nomes, acaba desfavorecido em muitos momentos pelas propositais e frequentes mudanças de foco e desandada de ritmo. Isso resulta no apagamento de algumas atuações, como as das atrizes Jamie Lee Curtis e Toni Collette. Ambas brilham no primeiro ato, mas, com o desenrolar da história, nada mais oferecem devido à falta de importância das personagens para a história.

Quem de fato resplandece são os atores Michael Shannon, que mais uma vez faz um papel excêntrico; a atriz Ana de Armas, que aceita o protagonismo e alcança a atuação com maior carga dramática do filme; e Daniel Craig, o detetive que a princípio parece exagerar muito o sotaque e a atuação, mas, por meio de uma bela interpretação, faz-nos constatar rapidamente que se trata de uma caricatura do gênero e do estilo cinematográfico. Isso confere um certo ar de cômica autoconsciência ao filme.

Chris Evans encarna um personagem interessante pela possibilidade de brilhar ao lado de renomados atores, mas que, de maneira esperada, entrega uma atuação medíocre. Ao contrário do que acreditam alguns estimados colegas de CdB, ele deixa claro que precisa melhorar muito para ser considerado um bom ator.

entre facas e segredos 2019

Veredito

A variação de Entre Facas e Segredos entre um suspense de crime e uma comédia, ora é bem vinda para não deixar o clima sombrio, ora se torna pastelão demais. Ela pode não agradar a todos os públicos, mas o longa é bonito, com uma direção interessante e eficiente, que peca apenas por se achar mais inteligente do que de fato é. Nem de longe é um dos melhores do ano.

Por outro lado, contando com uma bela direção de arte e música impecável, com certeza é diversão garantida para aqueles que buscam apenas um entretenimento despretensioso — principalmente para os que gostam de filmes como Clue e Assassinato no Expresso Oriente.