Homem irracional crítica

Filme: Homem Irracional

Woody Allen volta a homenagear o clássico Crime e Castigo no divertido Homem Irracional. O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deve ser apreciado com moderação.

Homem irracional review
O CLICHÊ É DIZER QUE UM FILME MÉDIO DE WOODY ALLEN COSTUMA SER MELHOR DO QUE A MAIORIA DAS OBRAS EM CARTAZ. Muitas vezes falamos isso apenas para demonstrar nosso carinho com o trabalho do cineasta de 80 anos, embora seja bem verdade que nenhuma obra dele seja de fato ruim. Homem Irracional (Irrational Man, 2015) apresenta Joaquin Phoenix e Emma Stone, nova musa do cineasta, em uma trama cheia de diálogos filosóficos, crises existenciais e com um senso de humor perverso (e delicioso).

Em mais uma releitura de Crime e Castigo, de Fyodor Dostoievski, sendo que a última foi há 10 anos no sensual Match Point, Allen apresenta um professor de filosofia melancólico e frustrado com a sua própria vida. Incapaz de encontrar sentido em sua vida, Abe Lucas (Phoenix) evita se relacionar com as pessoas, especialmente a sua aluna Jill (Stone). Até que num belo dia, Abe descobre o precisa fazer para ser feliz com a sua vida. E bem, aí entra o nome do filme, já que a ideia de Abe não é nada lógica e escancara para o espectador que por trás das aparências de alguém comum existe um verdadeiro maluco psicopata capaz de qualquer coisa.

Phoenix comprova porque é um dos melhores atores em atividade no cinema atualmente. Engordou consideravelmente para o papel e convence o espectador rapidamente de que Abe é um homem que estudou demais e agora vive sem ter um objetivo, sem ter esperanças de dias melhores, especialmente depois que o sexo com mulheres (as comprometidas, de preferência) deixou de fazer parte de sua rotina. Já Stone é um charme do começo ao fim e com um excelente timing cômico. Sua ingenuidade e relutância em aceitar sua atração pelo professor é hilária. Mas quem realmente chama a atenção no elenco é Parker Posey, que interpreta Rita, uma professora casada e solitária. Ela é discreta, está interessada em deixar o marido e está genuinamente triste com os rumos de sua vida.

O roteiro arquiteta um plano mirabolante, e relativamente simples de ser executado. Os admiradores do diretor certamente entenderam o que aconteceria sem que fosse necessário o desenvolvimento da trama. É delicioso observar todo o empenho de Abe em cumprir seu objetivo, e mais ainda: em como o personagem acredita que está desempenhando uma ação justa e necessária para tornar o mundo um lugar melhor. A narrativa vai evoluindo num ritmo envolvente em que o espectador começa a rir com o absurdo e a falta de noção de Abe. Suas narrações em off representam não apenas seus pensamentos, mas o ar de superioridade de quem está numa verdadeira missão divina.

Exagero dizer que “The In Crowd”, do Ramsey Lewis Trio, é a melhor coisa de Homem Irracional? Talvez seja. Talvez não. O fato é que a canção tema do longa-metragem “rouba” a cena nos vários momentos em que o cineasta a utiliza. A música é sempre muito importante nas obras de Woody Allen e aqui não poderia ser diferente. Ela é quase um personagem que participa das reflexões e planos malignos do homem irracional interpretado por Phoenix.

Desde Meia-Noite em Paris estamos esperando Woody Allen se superar. Não foi desta vez. Ainda. No entanto, Homem Irracional é bem mais interessante que Blue Jasmine (considerado por muitos como o melhor trabalho dos últimos quatro anos) e engraçado que Para Roma Com Amor. Na dúvida, lembre-se do clichê: um filme médio do Woody Allen é melhor que a maioria das outras obras em cartaz. Funciona!