Mar Adentro: viver é uma obrigação?

Viver é um direito e não uma obrigação”.

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O filme Mar Adentro carrega em seu visceral roteiro, questões relacionadas à vida e a aspectos que a cercam dentro de seu sentido existencial. O longa acompanha a história de vida do personagem Ramón Sampedro (interpretado por Javier Bardem), um homem que, quando jovem, sofreu um acidente que o deixou tetraplégico. Ramón ficou 28 anos preso na cama, vivendo sob total auxílio e cuidado de outras pessoas, e ele luta pelo direito de poder colocar fim à própria vida, fato que o faz ter problemas com a família, com a sociedade e com a igreja. O protagonista, em certo momento do filme, declara a frase anteriormente aqui escrita: Viver é um direito e não uma obrigação. Essa afirmação gera controvérsia. O próprio longa-metragem mostra isso, pois muitas pessoas reprovam a ideia de Ramón e o julgam como sendo um sujeito fraco, alguém sem esperanças e sem forças para lutar contra o fado que enfrenta em sua dia a dia. Entretanto, o personagem afirma e defende seu ponto de vista alegando que não vive de maneira digna. Dessa forma, o filme conduz o espectador a refletir sobre concepções controvérsias sobre o que, de fato, significa viver e sobre a eutanásia (direito de morrer).

Viver é somente um direito? Podemos, em determinado momento, e em certas circunstâncias, optar por deixar de viver? Certamente, podemos. Algumas pessoas, quando decidem que viver não vale mais e pena, chegam ao que é tido como o ato supremo do desgosto da vida, e cometem suicídio. Quando um indivíduo tira sua própria vida, ele é logo, e comumente considerado como um sujeito insano, ou, radicalmente adjetivado de “depressivo”, “doido”, “suicida”, ou quaisquer outras características imediatas que o apontem como uma pessoa com desvios patológicos.

Por que nos é tão penoso saber que um homem tirou sua própria vida? Qual seria, e onde estaria o problema de um homem não querer mais viver? Por que, a grande parte dos homens, choca-se com a ideia de suicídio? Essas perguntas abrem portas para as mais possíveis reflexões e conclusões. A maior parte da sociedade, definitivamente desaprova a ideia de um homem tirar sua própria vida, mas se a vida é algo particular de cada um, talvez isso signifique que um determinado indivíduo pudesse optar por deixar de viver como, sendo tal decisão, uma escolhada ligada à liberdade. Contudo, viver tornou-se ao longo do tempo, de fato, praticamente uma obrigação. Prova disso é que para algumas religiões consideram o ato de suicídio como um crime.

Para se ter uma noção do quanto a prática de optar por tirar a própria vida é algo tido como imoral, há o caso do Dr. Jack Kevorkian (conhecido como Doutor Morte), médico que não apenas apoiava a eutanásia, mas declarou ter ajudado 130 pacientes a terminarem suas próprias vidas, fato que o levou condenado a ser condenado a oito anos de prisão. Essa visão imoral da eutanásia é expressa no filme através da reprovação e desagrado geral por parte das pessoas, frente à ideia do protagonista de optar por tal caminho. Ninguém parece compreendê-lo, aparentemente, ninguém se coloca em seu lugar e tampouco busca esforçar-se para entender suas razões, somente concentram-se em tentar fazer mudá-lo de ideia e mostrar a ele algum motivo positivo pelo qual ele deva viver.

muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida. Outros vejo que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer). (CAMUS, 1942, p.14)