Crítica: Na Próxima, Acerto no Coração

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Nunca achei Guillaume Canet um bom ator, pelo contrário. A única performance dele que me comoveu em seus 20 anos de carreira foi no ótimo Une Vie Meilleure, de 2012. Por isso, quando vi que ele finalmente recebeu sua primeira indicação ao César de melhor ator pensei: “bom, acho que se ele chamou atenção por esse papel deve ser porque ele está sensacional”. Mas não. Estrelado pelo francês, Na Próxima, Acerto no Coração (La Prochaine Fois Je Viserai Le Coeur, França, 2014) é baseado na vida real de Alain Lamare e é um dos piores suspenses que já vi na minha vida. Pode me chamar de exagerada ou dura demais, mas eu realmente o detestei.

Dirigido e escrito por Cédric Anger, o longa acompanha a rotina do policial Franck Neuhart (Canet), que nas horas de folga tem como hobby matar jovens mulheres, além de enviar cartas anônimas à polícia contando sobre os seus feitos. Com o passar do tempo, ele acaba cometendo alguns deslizes, os quais resultam em sua eventual captura.

O cenário é o departamento de Oise, na França, no inverno de 1978, o qual foi muito bem refeito na telona, vale destacar. O figurino, carros e uso de documentos reais foram bem utilizados e ajudam a nos inserir naquele ambiente assustador. Para ser sincera, todos os quesitos técnicos são de alto nível, especialmente a fotografia sombria e com cores frias e a trilha sonora à la Hitchcock. Todas as vezes em que Franck está prestes a matar alguém, a mesma música toca; sensacional. Ou seja, o que realmente prejudica a adaptação é o roteiro.

Primeiramente, ele é mal explorado. O fato de não temos um acesso profundo às motivações do assassino não foi o problema, deixo claro. Gostei desse mistério que fica em torno da personalidade bizarra do protagonista e em algumas cenas aprendemos um pouco sobre sua vida pessoal, com destaque para os laços que tem com o irmão mais novo. O que me desagradou foi a atenção exagerada às automutilações do policial e à sua indiferença em relação ao mundo. Como não conseguimos criar nenhuma conexão com o cara porque ele é literalmente detestável (é agressivo com quem o irrita, bate em um idoso, faz xixi no chão porque não aguenta esperar o banheiro ficar livre), assistir a ele se batendo e machucando não nos provoca absolutamente nada, a não ser aflição.

Vou ser mais direta: você aprende a odiá-lo tanto que simplesmente não sente nada por ele e isso era imprescindível para que o filme funcionasse; quer dizer, isto é importantíssimo para qualquer filme: um personagem principal que não conquista a plateia, seja ele vilão ou não, destrói o resultado final. O olhar vazio e as expressões duras de Canet também não ajudam em nada. Ok, um psicopata frio e calculista é bastante comum, ainda mais um que nem preso foi por causa de seus problemas mentais; a questão aqui é ver o tempo todo – outro problema a ser destrinchado em breve – a mesma cara, as mesmas cenas repetidas dele matando, sendo violento ou grosso com alguém e se ferindo. Não dá, enche o saco. Quando começamos a talvez nos entrosarmos mais já nos momentos finais é tarde, o barco já partiu. Nem quando ele chora – sem lágrimas – é comovente.

O fato de Anger contar a história sob o ponto de vista do serial killer é outro ponto negativo porque não temos desenvolvimento algum de outros núcleos. A jovem que ele quase mata no início aparece no hospital e nunca mais retorna, seus pais mostram a cara uma única vez e o relacionamento bizarro com Sophie (Ana Girardot) é terrivelmente mal desenvolvido. A jovem é bastante tímida e trabalha na casa de Franck (não, essa mulher ele não mata), mas é difícil demais entender como ela consegue achá-lo doce e gentil em função das atitudes dele. Quando ela fala isso para ele é hilário e eu realmente gargalhei no cinema, ou quando ele diz a ela que a ama com uma expressão blasé e nojenta. Não dá para engolir esse relacionamento em nenhum momento e o desfecho dele é, desculpe a palavra, tosco.

Outra coisa que não entendi foi como a polícia levou tanto tempo para identificar Franck como o assassino. O homem é claramente esquisito, frio, sem educação, chato e, para piorar, tem uma cena em que a polícia consegue uma descrição do provável assassino e ela é idêntica a ele. Não, nem desconfiam que é Franck mesmo assim e ainda o fazem perguntar nas ruas se as pessoas reconhecem a figura do desenho. Oi? Depois desse humor totalmente mal inserido no enredo eu chutei o balde em relação ao suspense.

Na Próxima, Acerto no Coração é tecnicamente impecável e tem um começo promissor ao nos mostrar uma tentativa sem sucesso de assassinato. Porém, depois que o enredo se desenrola é problema atrás de problema e a adaptação de um dos crimes mais marcantes da história da França falha em todos os sentidos. Não tenho nem ideia de como esse filme teve indicações ao César de melhor roteiro e ator; ele mereceu talvez como melhor fotografia e trilha sonora, mas atuação e roteiro jamais.