Diário de Uma Paixão

O Cinema de Buteco avisa: o texto a seguir possui informações sobre o que acontece no filme. 


Nicholas Sparks já apareceu aqui no Cinema de Buteco antes. Em suas duas “visitas”, foi impossível não mencionar Diário de Uma Paixão, o filme que me fez tomar conhecimento do trabalho do autor (que devo admitir, ainda não peguei para ler). Tanto Querido John quanto Um Amor Para Recordar tentam repetir a fórmula perfeita de emocionar utilizada no filme dirigido por Nick Cassavetes (Uma Prova de Amor) , mas nenhuma das duas histórias é tão cativante quanto a de Noah e Allie. 

Se houvesse uma maneira de descrever o filme de Cassavetes, eu diria que ele é a versão séria de Como se Fosse a Primeira Vez. Não que o filme estrelado por Adam Sandler e Drew Barrymore não tenha uma bela mensagem e consiga arrancar emoções de certas pessoas (não, eu não chorei nele. Eu acho.), mas ele é uma comédia que nos faz rir e chorar nas mesmas proporções. Em Diário de Uma Paixão, o efeito é devastador e o único sorriso que podemos esboçar, acontecem nas cenas que envolvem a fase de conquista do casal principal. 

Antes de me aprofundar numa interpretação da mensagem do filme, devo ser sincero e admitir que existem sim momentos ruins ao longo da produção. O mais irritante talvez seja o clichê de utilizar a desaprovação materna como elemento que desencadeia parte da ação e que no final é explicado, de forma a tentar uma espécie de redenção da personagem. Porém, mesmo essas “falhas” se mostram importantes para o resultado final. Avaliar o cinema de uma forma técnica e crítica demais pode acabar nos cegando para os pequenos detalhes que realmente importam quando assistimos um filme. A forma como a mensagem é transmitida é peça chave para causar a identificação no público, mas às vezes, basta um pouco de força de vontade e prestar atenção direto na mensagem e nesse caso, fica difícil resistir e focar apenas nos defeitos como forma de desmerecer o filme.  

Da introdução, com uma lenta melodia tocada no piano, acompanhando Gena Rowlands observando os pássaros voando acima de um lago, até a cena final (que é perfeita, mas falarei dela logo mais), a produção é recheada de belos momentos. Alguns talvez pequem pelo excesso de fantasia e romantismo (apesar de Sparks ser homem, ele sabe captar exatamente o que se passa na cabeça de uma mulher e costuma acertar em cheio sempre. Pelo menos, eu não conheço nenhuma mulher que não tenha se derretido com suas histórias.), como na cena em que Noah (Ryan Gosling) escala a roda-gigante de um parque para conseguir um encontro com Allie (Rachel McAdams). 

Os clichês retornam durante o período de conquista entre o casal. Não fosse a naturalidade com que Gosling e McAdams interpretam seus personagens, poderia ser uma parte vergonhosa da história e acabaria destruindo todo o charme do filme. Aliás, o ator me faz lembrar de Ethan Hawke em Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Ambos conseguem transmitir exatamente aquilo que se passa quando um homem encontra A mulher perfeita. A forma de olhar se torna intensa, nasce uma necessidade de se mostrar eficiente na mesma proporção que nasce um imã para ser desastrado. Nada mais, nada menos do que o amor. E sem falar da maneira como sua aparência muda depois de sofrer com a desilusão amorosa e a perda do pai.


Quanto à parte feminina, McAdams dá vida para uma personagem que vive pressionada pelos pais. Ela não tem liberdade e se apaixona por Noah justamente por ele conseguir fazer ela se sentir livre, capaz de pensar por si mesma. Como a história narrada se passa na década de 40, o romance acaba sendo inofensivo e a inocência da então adolescente, dura por boa parte do romance. Continuando no paralelo com Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-Sol, infelizmente McAdams não consegue transmitir a essência feminina que Julie Delpy nos entrega em sua personagem. Allie é apenas uma menina que está descobrindo a vida e se entrega completamente ao amor de Noah. 

Longe de dizer que McAdams não está bem em Diário de Uma Paixão, mas entre os quatro atores principais, é de longe, a que menos se destaca. James Garner (que interpreta o Noah mais velho) e Rowlands (Allie mais velha) conseguem ser ainda melhores que a interpretação de Gosling, numa prova de que a experiência faz o ator. E também da eficiente direção de Cassavetes, que conseguiu realizar uma das produções românticas mais profundas que tive a oportunidade de assistir até hoje em toda a minha vida.

Finalizando os comentários mais “técnicos”, é o momento de retomar os valores e as mensagens que o romance escrito por Nicholas Sparks oferece ao público. Afinal, porque esse sentimento nos atinge com tanto impacto? Noah e Allie se conhecem num parque e ambos se repararam o suficiente para que houvesse um encontro (ok, não estou ignorando a atitude exibicionista de Noah para chamar a atenção de sua futura esposa, apenas foquei no fato de que ela ficou interessada também) e logo passam a sair juntos, trocando olhares apaixonados e momentos simples, que tanto importam para criar a base de uma relação. A narração nos oferece um exemplo de almas-gêmeas, de duas pessoas que nasceram uma para as outras. Independente de todas as brigas e discussões, o importante é que o relacionamento deles era forte o suficiente para ser real e cultivado para toda vida. Ou seja, Sparks idealiza o romantismo e recria o casal perfeito, coisa que ele costuma repetir (sem sucesso) em todos os seus livros e roteiros adaptados. 

E o que dizer do impacto na sequência em que é revelada a verdade sobre o paciente “Duke” (Garner)? Até então, ele era apenas um velhinho contando uma história para uma outra paciente. Claro que um espectador mais atento poderia supor que ele estava narrando o próprio romance, mas quando toda a família de Noah chega, é um exercício contra a gravidade tentar conter as primeiras lágrimas. Enquanto todos seus filhos se mostram conformados com a doença degenerativa da mãe (o que não é explicado como/quando começou, numa escolha acertada e que evita a perda do foco da trama) e acham uma loucura o pai viver naquele hospital e que deveria voltar para casa, Noah simplesmente diz: “Estamos falando do meu amor, não irei abandona-la. Esta é a minha casa agora, a mãe de vocês é a minha casa.”

Mesmo essa declaração não prepara o espectador para as duas cenas em que Allie recupera brevemente a sua memória. Na primeira, ela descobre que a história que vinha ouvindo era a de sua própria vida e dança com o marido até perder a memória novamente e ter uma crise nervosa. Nenhuma pessoa deveria sentir a dor de ser impotente diante uma situação dessas, onde você perde o grande amor de sua vida, mesmo que ela continue ali, do seu lado. Já a segunda cena acontece no final do filme e é um dos momentos mais perfeitos e lindos do filme. E misterioso, por que não? Afinal, Allie é despertada no meio da madrugada e se lembra imediatamente de Noah. Os dois conversam sobre a possibilidade do amor deles causar um milagre, que seria a morte dos dois juntos e concluem que o amor dos dois pode fazer tudo que eles quiserem. 

Essa cena em especial, me lembrou todo o clima depressivo de A Fonte da Vida de Darren Aranofski. Nesse filme, o amor e a morte são semelhantes: um não existe sem o outro e os dois conceitos fundem-se à eternidade. No momento em que Noah e Allie se encontram naquele quarto e conversam sobre milagres, é exatamente isso que acontece. O amor que ambos nutriam se torna eterno e os leva embora, enquanto as quatro mãos se conectam pela última vez. Se Diário de Uma Paixão tivesse que ser resumido, usaria apenas a descrição dessa cena e da mensagem escrita na contra-capa do diário: “Essa é a história de nossas vidas. Leia para mim e eu voltarei para você.”

Um filme romântico que todo mundo deveria assistir sem ter o menor medo de chorar e fazer papel de ridículo na frente do (a) companheiro (a). E também, o único momento em que uma adaptação dos livros de Sparks, mereceu o devido respeito e consideração. Noah e Allie servem de exemplo e inspiração para se viver um relacionamento e valorizar a pessoa amada e mostram o quanto o amor real é resistente e não se deixa levar pelas dificuldades. Claro que trata-se de uma ficção, mas não deixa de ter importância na vida real, não é mesmo? Ou vão dizer que nunca seguiram exemplos vistos no cinema? 





The Notebook, 2004
Direção: Nick Cassavetes
Roteiro: Jeremy Leven, baseado em livro de Nicholas Sparks
Elenco: Ryan Gosling, James Garner, Rachel McAdams, Gena Rowlands


ps: dedicado para a Camila, que me viu chorando horrores depois desse filme e que aceitou dividir o seu lenço comigo.