E.T. O Extraterrestre

por Ana Clara Matta, do Ovo de Fantasma

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A INOCÊNCIA SÓ SE TORNA UM CONCEITO VISÍVEL PERANTE OS OLHOS de cada um quando ela está prestes a morrer. Quando a inocência, a infância, ainda existe, ela é um estado onipresente de consciência – a criança não sabe que é inocente, afinal ela não foi confrontada com outra maneira de ser, e acha que sua visão de mundo é a única, é a lei. O início da perda da inocência de Elliot é a fagulha que dá início a E.T. – e a criatura do espaço, materialização desse lado que se torna visível quando já está fadado ao fim, surge em meio à crise familiar de Elliot, em atrito com seus irmãos, lidando com a depressão da mãe e o abandono do pai.

Me desculpe. Apontar o caráter extremamente metafórico de E.T., colocando a criaturinha mais amada da ficção científica como uma mera alegoria de amadurecimento, é acertar em cheio, no peito, a infância de todos vocês. É como desvelar as mãos que controlam Kermit, o Sapo, ou revelar que Papai Noel é vermelho apenas pelos caprichos corporativos da Coca-cola. Mas Steven Spielberg e a roteirista Melissa Mathison deixam as pistas do caráter simbólico de E.T. por toda a narrativa do filme, como balinhas deixadas por Elliot na floresta.

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E.T. acompanha então o pivotal momento do amadurecimento como uma bifurcação de personalidades, uma separação de dois lados da persona, o eu-infância e o eu da vida adulta. Elliot (cujo nome começa com E e termina em T) se divide entre Elliot e E.T., sempre conectados. Elliot não quer interromper essa vida dual, ameaçada sempre pela presença de adultos – sem rosto, sem nome, personificações generalizadas da “sociedade”, do mundo adulto, que cobra do garoto a maturidade. O mundo infantil é feito de quartos conectados, brincadeiras (do RPG do irmão mais velho ào E.T. vestido e embonecado da irmã mais nova), e especialmente, de uma quase falta de atrito com o mundo adulto. A autonomia do mundo infantil, apontada por Hannah Arendt, operava aqui – mas esse tempo começa a acabar quando a câmera começa a rodar. Enquanto E.T. tenta partir, Elliot mostra a difícil fase de crescimento com os primeiros sinais de rebeldia, na cena dos sapos.

Dois finais possíveis se apresentam no filme, em uma bifurcação narrativa. Em um deles, a morte de E.T.. No outro, a partida de E.T.

A morte de E.T. é o amadurecimento bruto, no qual o espírito da infância se perde completamente. Elliot diz, ao lado do cadáver do alienígena: “Você deve estar morto, pois eu já não sei como sentir. Eu não consigo sentir mais nada.”. O amadurecimento vem pelo endurecimento. É como a frase de Alison, em Clube dos Cinco: “Quando você cresce, o seu coração morre”.

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Mas esse seria um final triste, e nada Spielbergiano, para E.T.. Em sua partida, o extraterrestre afirma que estará sempre dentro da mente de Elliot, que dessa maneira, nunca vai perder sua criança interior. E o mais importante: E.T. e Elliot dizem “Ouch”, apontando que a dormência que viria com a morte não está ali – a perda da infância sempre doerá um pouco, uma dor com a qual nos acostumamos, e chamamos de nostalgia.

E.T., a criatura, é a materialização da infância de Elliot. E.T., o filme, é a materialização da nossa infância. Os mais sisudos cortam relações com o filme quando passam da idade de tardes perdidas perante a TV na Sessão da Tarde, outros revisitam E.T. com frequência, não deixando a criança que viu o filme pela primeira vez morrer, nunca. Até Spielberg revisitaria sua obra, em parceria com J.J. Abrams, para materializar outra infância: a do cinema, em Super 8.

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Nota:[cinco]