Carrie, a Estranha (2013)

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COMO UM BOM FÃ DE FILMES DE HORROR QUE SOU, era impossível não ficar excitado (ui) com a ideia de um remake de Carrie, a Estranha. A expectativa positiva cresceu absurdamente depois do lançamento do excelente remake de A Morte do Demônio. Parecia que existia a esperança de algo bom nascer de Carrie, por melhor que fosse o original. No entanto, a frustração tomou conta do meu coração e constatei o óbvio: a produção é tão medíocre que cheguei a ficar desiludido com o suposto talento da protagonista Chloe Moretz (Kick-Ass), que teve a sua primeira grande escorregada na carreira.

A primeira adaptação de Carrie, A Estranha permanece na lista como uma das melhores e mais eficientes leituras da obra de Stephen King no cinema. Mérito para a direção inteligente de Brian De Palma, que soube aproveitar os pontos altos do livro e somar com a linguagem cinematográfica. Lamentável que a cineasta Kimberly Peirce seja desprovida de uma coisa chamada “talento” e capacidade de mostrar mais do que acontece em cena. Sua refilmagem (ao contrário do que anunciaram, o filme não é uma nova adaptação da obra original e sim uma refilmagem quase que completa do trabalho de De Palma) não possui profundidade e nem convida o espectador a refletir além do que é visto. A mensagem é aquela mesma, não existe algo para pensar ou descobrir. Para uma história tão rica quanto Carrie, quem perde com isso são os fãs de bons filmes de horror psicológico.

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Se o trabalho lançado na década de 1970 permanece tão bom e superior, então por qual razão os estúdios decidiram mexer novamente com a obra? Talvez a resposta seja bem simples. Por melhor que seja o trabalho realizado por De Palma, o fato é que os tempos mudaram. Os jovens de hoje acham graça dos jovens do passado, com suas roupas apertadinhas, coloridas e curtinhas de um jeito totalmente não-sensual. Isso sem falar na droga dos cabelos que eles usavam. Tenso. Como o tema bullying é sempre muito atraente, não seria um absurdo imaginar uma versão nova da história de Carrie nos dias de hoje. Modernizar o filme seria a única argumentação válida para a existência do remake, mas para isso seria necessário uma equipe competente para fazer algo de qualidade. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. A escolha de Moretz para o papel principal é desastrosa. Não apenas pelo carisma da jovem e pelo fato do público já a conhecer bem por seus outros trabalhos, mas também pela incompetência da atriz em conseguir incorporar a personagem. É vergonhoso observar suas expressões corporais e tentativas de dominar o poder. Tudo extremamente adolescente. Tudo extremamente ruim. Apenas Julianne Moore escapa do fiasco, com uma caracterização menos assustadora que a mãe do filme original, mas que compensa pelas longas madeixas despenteadas e a autoflagelação constante. Na verdade, o aspecto da religião é abordado de maneira superficial. A Margaret White do remake é apenas uma religiosa maluca daquelas que a gente tem apenas dó, ao contrário do que De Palma apresentou em seu filme, onde a personagem causava mais medo do que a própria filha.

Ah, claro. O remake começa com uma cena parecida com o original, em que o espectador masculino se sentia realizado com aquela tão sonhada visita ao banheiro feminino enquanto as meninas se lavam após a educação física. Pois é. Brian De Palma é um tarado e os tempos, como eu já disse, mudaram. Nudez não pode. É feio. É proibido. Se você quer ver mulher pelada, tem que fazer escondido. Ou seja, o lado voyeur até está presente se você souber onde encontrar, mas é tão discreto e sutil que nem parece existir.

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A bonitinha desconhecida Gabriella Wilde interpreta a nova Sue, a garota cuja ambiguidade no original dava um grau de tensão maior à trama, segundo a maior parte dos meus amigos da crítica disseram. Confesso que nunca vi a Sue como uma pessoa ruim no original. Sua intenção de ajudar Carrie para compensar seu erro era evidente e não senti em momento algum que ela estava em cima do muro, só esperando para pregar uma peça na menina esquisita. O remake mostra que as motivações de Sue, por melhores que sejam, não são assim tão nobres. Só que isso pouco importa, já que o espectador é “presenteado” com uma cena em que a personagem tem uma espécie de premonição de que algo muito ruim irá acontecer. Desnecessário e expositivo. Poderiam deixar o filme sem esse momento…

Já a outra personagem feminina importante, a arrogante Chris (Portia Doubleday) sofre algumas mudanças em relação ao outro filme. Embora continue sendo uma babaca metida a besta, agora ela também possui traços dignos de uma psicopata. Na verdade, o romance dela com o seu namorado (que demonstra extrema preocupação com o fato deles correrem o risco de serem presos por suas atitudes e que precisam fugir – o que me fez comparar o casal com Assassinos por Natureza ou Bonnie e Clyde, dadas as devidas proporções e com o perdão dos leitores por compartilhar essa blasfêmia) é colocado de uma maneira diferente também, como bem observou o Marcelo Hessel, do Omelete. A Chris nova é apenas uma vaca psicótica que é passiva diante as ordens e comportamento agressivo do seu namorado, enquanto a anterior era uma megera completa e que manipulava o coitado do John Travolta em troca de boquetes dentro do carro. Curioso notar que a força feminina era maior no passado. Se bem que o mérito disso estava na direção de Brian De Palma, reconhecidamente um cineasta competente na maneira de lidar com personagens femininas. O mesmo não se pode dizer do trabalho de Peirce.

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A famosa cena do baile é outro ponto negativo que merece destaque. Se no original, Carrie dá “a loka” e praticamente se transforma no BOPE invadindo um baile funk carioca, aqui ela mantém um pouco de sanidade para “selecionar” as suas vítimas. Ora, essa. Como se não bastasse cortar o banho das mocinhas na introdução, a produção ainda quis dosar a violência e as mortes? Fala sério.

O material de divulgação do filme utilizou o texto “You Will Know Her Name” (Você saberá o nome dela) de maneira equivocada, afinal de contas isso não corresponde com nada visto em cena. É sem sentido e até contraditório, pois por mais quietinha que fosse a jovem Carrie White, todo mundo a conhecia (justamente por sua estranheza), especialmente após a divulgação do vídeo viral com o episódio ocorrido dentro do banheiro feminino. Como se não bastasse o descaso com que o próprio longa-metragem é conduzido, a campanha de divulgação ainda dá uma bola fora dessas. Pelo menos, há de se valorizar que realmente trabalharam com o conceito de modernizar o filme e acertaram em cheio ao usar uma filmagem de celular para desencadear a humilhação definitiva da coitada da protagonista. Um acerto, enfim.

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Carrie, A Estranha é decepcionante do começo ao fim, optando sempre por caminhos expositivos e que buscam facilitar a compreensão do espectador, como se fossem um bando de idiotas incapazes de entender as transformações da personagem sem que o roteiro fizesse alusões diretas à Homem-Aranha (nas cenas em que ele descobre seus poderes), de Sam Raimi; e claro, mais óbvio, ao X-Men. O legado da obra de Stephen King não merecia ter essa mancha.

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Nota:[umaemeia]