Crítica: A Cura (2016)

Poucos cineastas em Hollywood possuem um talento tão versátil quanto Gore Verbinski. Responsável por obras tão diferentes quanto Um Ratinho Encrenqueiro (comédia), O Chamado (terror), O Sol de Cada Manhã (drama), e a trilogia Piratas do Caribe (aventura), entre outros, Verbinski sempre soube se adequar às necessidades específicas de cada projeto. Talvez, por evitar demarcar um estilo próprio evidente, seja um diretor ainda tão pouco respeitado pelo seu ótimo trabalho. A julgar pela recepção que recebeu da crítica, A Cura ainda não é o filme que trará o merecido reconhecimento ao diretor. O que não faz o menor sentido, uma vez que o filme é excepcional.

Partindo de um argumento concebido pelo diretor ao lado de James Haythe, o roteiro escrito por este último parte de um princípio simples: o jovem executivo Lockhart (Dane DeHaan) vai até uma clínica nos Alpes suíços tentar convencer um dos membros da diretoria de sua empresa (Harry Groener) que lá se encontra a voltar até Nova York para resolver determinadas burocracias. No entanto, chegando lá, ele aos poucos descobre que sair não é tão fácil quanto parece.

Abrindo o filme com os arranha-céus de Nova York retratados sob um véu de escuridão e de uma sinistra lullaby infantil, Verbinski se mostra determinado a mergulhar o filme em uma atmosfera de trevas e inquietude desde os primeiros minutos de projeção. Ciente de que um bom clima de tensão necessita de tempo para ser preparado, Verbinski não se apressa em estruturar as bases de seu show de horrores, e emprega grande parte da narrativa “apenas” na construção do medo crescente que toma conta do protagonista. A aparente demora do diretor em preparar o desenrolar da trama apenas mostra o controle e o conhecimento do material que tem em mãos. Junto com o diretor de fotografia Bojan Bazelli, Verbinski faz uso de vários recursos visuais para ilustrar o estado de espírito de seu protagonista, como na cena que um dos pacientes da clínica prende uma mosca com um copo, para logo em seguida vermos Lockhart ao fundo, remetendo ao fato de ele se encontrar encurralado.

A fotografia de A Cura, por sinal, é um deleite para qualquer fã do gênero terror – e também para qualquer admirador do bom cinema de modo geral. Além de compor enquadramentos e travellings que variam entre o elegante e o incômodo, Bazelli ainda evoca o “Mestre da Escuridão” Gordon Willis ao utilizar sombras com um cuidado admirável, especialmente nas cenas noturnas, em que faz uso inteligente do contra luz, criando silhuetas que representam um perigo iminente. Além disso, também são empregados longos planos abertos que ajudam o espectador a ter uma noção detalhada da geografia do local, que por sinal é muito bem desenhada por Eve Stewart. A designer de produção é particularmente eficaz ao mesclar o gótico original da construção medieval antiga com as reformas modernas necessárias aos trabalhos da clínica, corretamente deturpando a noção de temporalidade dentro daqueles ambientes. Como se não bastasse, a direção de arte é assustadora na concepção dos tétricos interiores subterrâneos do castelo, sem contar o magistral laboratório secreto escondido nos confins da propriedade, que por si só já merecia indicações a qualquer premiação da categoria.

Ancorado por uma performance central intensa de Dane DeHaan que consegue ilustrar perfeitamente a crescente paranoia do protagonista, o longa ainda é presenteado com aquele que talvez seja o melhor trabalho da carreira de Jason Isaacs, que vive o diretor da clínica de modo corretamente ambíguo, equilibrando ameaça e compaixão na medida certa, ao passo que a jovem Mia Goth encarna a inaptidão social de Hannah com delicadeza, sendo admirável que a atriz consiga expor a ingenuidade da personagem sem soar caricatural – e nesse sentido palmas também para o figurino de Jenny Beavan, que retrata a tristeza e a vulnerabilidade psicológica da menina através de vestidos azuis quase transparentes.

Assim, embalado ainda pela bela trilha sonora de Benjamin Wallfisch, que dosa com competência acordes sutis e exaltados, pode-se dizer que, ao menos tecnicamente, A Cura é um filme irrepreensível. Já em matéria de narrativa, os acertos não ficam por menos.

Com nítida inspiração nas obras de Mario Bava, e uma porção de devidas homenagens ao mestre do terror italiano, Verbinski cria um verdadeiro pesadelo gótico. Justamente por investir um longo tempo apenas na apresentação da mitologia que envolve a narrativa é que a imersão naquele universo particular funciona tão bem. É por explorar de pouco em pouco aquele castelo isolado nos Alpes da Suíça que suas características a princípio irrelevantes conseguem se mostrar tão horripilantes ao final do filme. O fato de ninguém querer sair, as recorrentes visões de enguias, os dentes caindo, a identidade da única residente jovem do local, a vitamina que certos personagens constantemente ingerem, a verdade sobre o passado daquele lugar… Apoiando mistério em cima de mistério, a trama de Verbinski e Haythe vai se complicando cada vez mais, para no fim absolutamente tudo fazer sentido. Ao contrário de grande parte do terror hollywoodiano de alto orçamento atual, A Cura sabe a que veio, e oferece satisfatórias explicações para todas as intrigas apresentadas ao longo das quase duas horas e meia de projeção. E o fato de as reviravoltas soarem tão evidentes ao serem analisadas em retrocesso só comprova a qualidade de organização da trama, e o talento do roteirista e do diretor em disfarçar as possíveis obviedades.

Talvez falhando apenas na sua superficial discussão existencial e em seu plano final, que sugere uma alteração de personalidade sem sentido, A Cura é no todo uma aula sobre como fazer um filme de terror que assusta e intriga do início ao fim.