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Crítica: Suspiria (2018) – COM SPOILERS

Ao descobrir que o clássico filme do terror italiano Suspiria (Dario Argento, 1977) ganharia um remake, minha primeira impressão foi a de euforia. Senti-me empolgado com o que as qualidades tecnológicas do cinema contemporâneo poderiam fazer em um revival do Giallo, o precário e limitado estilo/gênero cinematográfico dos anos 60 e 70.

Após alguns momentos de reflexão, a boa sensação cedeu lugar a um pressentimento ruim: comecei a lembrar que, no atual momento de remakes e reboots pelo qual passa o cinema mainstream, são pouquíssimos os longas que realmente trazem uma releitura de qualidade da obra original. Em geral, apesar de se pautarem em títulos consagrados e na adoração cega dos fãs, os resultados são produtos descartáveis a serem devorados pelas presas consumistas da indústria que caem rapidamente no esquecimento dos anais do cinema. Mas, do mesmo jeito que meu otimismo foi substituído, tal desconfiança se transformou em surpresa, pois nenhuma dessas duas possibilidades previstas se comprovou.

Começando pela segunda, o novo Suspiria em nenhum aspecto se configura como um caça-níqueis sem inspiração. O filme dirigido por Luca Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome, Um Mergulho no Passado) se mostra extremamente preocupado com a direção de arte e nos apresenta uma bela e triste Berlim Oriental situada no ano de 1977, na qual, desde as primeiras cenas, a amargura oprime igualmente seus personagens e o público. Além de referenciar de maneira primorosa clássicos do cinema de terror italiano (com seus enquadramentos bizarros, closes forçados e transições confusas, aparentemente sem propósito), a obra ainda discute temas sensíveis à sociedade, como acontecimentos do passado que reverberam no presente, o empoderamento feminino, traumas, autoconhecimento e pertencimento.

Infelizmente, as questões estéticas e construção de mise-en-scène são os únicos pontos realmente interessantes aqui. O elenco encabeçado pela grande atriz Tilda Swinton também poderia ser um dos bons elementos de Suspiria, mas desliza em um aspecto que abordarei mais adiante.

Guadagnino nos oferece uma visão muito pessoal da obra de Argento. Ao fazer escolhas questionáveis, tanto de cunho artístico quanto para se diferenciar do original, o diretor acaba por se distanciar de tal modo do ponto de partida que as únicas similaridades entre os dois filmes são o título e os pilares do enredo.

Em ambos, acompanhamos a história da americana Suzy Banion (Dakota Johnson) que se muda para a Alemanha para ingressar na renomada academia de dança Tanz. Ela termina se envolvendo com misteriosos rituais, uma vez que a instituição é gerida por poderosas bruxas — e, mesmo nesses poucos elementos de semelhança, o cineasta faz alterações para o bem e para o mal. No original, a escola com sede na cidade de Freiburg é especializada em balé clássico, enquanto na versão de 2018 a academia tem seu foco na dança moderna e se situa em Berlim. Uma mudança bem-vinda, pois as cenas de dança, embora pouco relevantes para o desenvolvimento do enredo, são lindas e muito bem conduzidas.

Não me entendam mal: não estou defendendo que um remake precise ser estritamente igual ao seu original. Porém, ao nos depararmos com releituras de obras pertencentes a gêneros específicos e cultuados, deveríamos esperar que os aspectos mais marcantes dessas produções fossem ressaltados e ficassem visíveis aos apreciadores. Não é o que ocorre em Suspiria.

É neste ponto que a minha primeira expectativa se frustrou. A produção de Guadagnino aparenta não se importar muito com os dogmas do Giallo, gênero do cinema de terror italiano dos anos 70, que recebeu seu nome dos pequenos livros de histórias de mistério e de detetives de capa amarela. Famoso pelos excessos, o Giallo deve sua fama e adoração aos três alicerces característicos de sua construção: o suspense proveniente de mistérios, a violência gráfica explícita e uma sexualidade gratuita.

No filme de 2018, o mistério é deixado de lado, uma vez que o espectador fica ciente da existência do agente paranormal causador dos conflitos desde o princípio da obra. A violência brutal só aparece em apenas três cenas das arrastadas duas horas e meia de duração. Enquanto isso, a sexualidade se mostra de maneira subjetiva e interna a algumas personagens.

Seriam essas mudanças negativas para a construção de uma obra? Não, se essa obra for de qualquer outro gênero que não o Giallo. No caso, a produção escolhida é a maior e a mais conhecida do gênero; uma película com uma legião de fãs fiéis que vibram com as peculiaridades da obra de Argento, como as cores vibrantes que saltam da tela em um technicolor lúdico e exagerado. Articuladas com um rock progressivo e aparentemente descabido para algumas cenas, formam um conjunto psicodélico bizarro, místico, intrigante e divertidíssimo. Tais fãs, e aqui me incluo na lista, estavam curiosos para ver esses aspectos ganharem uma roupagem atualizada, mas, adivinhem só… Guadagnino retirou tais elementos de seu filme.

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Em mais uma série de modificações, o diretor escolheu uma paleta de cores bem sóbria para passar a sensação de tristeza urbana durante o período da Cortina de Ferro, algo que, aliado às melancólicas e pouco inspiradas composições de Thom Yorke (vocalista do Radiohead), dá um ritmo arrastado, sonolento e, muitas vezes, sem charme à obra.

A versão atual de Suspiria, por querer abordar temas mais profundos, se dá a liberdade de introduzir elementos novos à história original. Nela, criam-se dois arcos externos à personagem principal: uma reflexão sobre o nazismo e a sobreposição de fatos históricos ocorridos em Berlim no ano em que se passa a história do filme. Ambos se mostram desconexos da linha central e dão a impressão de que não fariam falta se fossem descartados. Já o tema principal, o feminismo, é abordado de maneira interessante, mas pouco funcional.

Aqui darei um pequeno, mas necessário spoiler. Composto quase todo por mulheres e contando com nomes famosos como Chloë Grace Moretz e Johnson, o elenco do filme gira em torno de Swinton, que rouba a cena ao interpretar três papéis muito distintos, apesar de deslizar em alguns momentos quando se entrega a seu papel masculino. Os deslizes acabam tirando o espectador da imersão na obra e gerando uma estranheza desnecessária para o andamento, sem falar da sensação de que o filme parece concebido apenas para fazer brilhar a atriz — semelhante a um time fraco que sobrecarrega seu único craque.

As atuações em si não são ruins, mas fica claro que, exceto as de Tilda, as demais personagens não receberam a mesma entrega criativa. Muitas vezes, estas se perdem em aparições vazias e pontas soltas que posteriormente são deixadas de lado pelo fato do longa tentar abordar mais assuntos do que sua capacidade permite.

É forçoso que um autor faça algumas alterações na nova obra com o intuito de dar sua contribuição artística e fugir das comparações. No entanto, a conclusão a que cheguei é a de que, ao abrir mão dos alicerces do gênero original, ele propõe tantas mudanças que o produto final se apresenta como um amontoado de ideias cinematográficas dedicadas mais a criticar o original do que propriamente lhe prestar uma homenagem.

Ao adicionar não apenas mais personagens e ideias, mas também uma hora a mais de duração, e se arriscar em vão a consertar os “defeitos” do original, Suspiria cover (como seu próprio diretor a definiu) gera para si a pergunta mais frequente sobre remakes: por que consertar algo que não está quebrado?