Crítica: Logan (2017)

critica de loganO CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Logan possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.

TODA VEZ QUE LANÇAM UM NOVO FILME DA FRANQUIA X-MEN, os rankings costumam colocar a obra mais recente no topo. Bem. Quase todas as vezes, pelo menos, já que não me recordo de ninguém elegendo X-Men Apocalipse como uma produção memorável. Com Logan (2017) não é diferente e chovem comentários elogiando ou dizendo que é mesmo o melhor filme mutante de todos os tempos. E essas pessoas estão mais que certas!

Logan é maior que o hype. Inclusive, esse é o típico do “filme de super-herói” que qualquer pessoa pode assistir com a certeza de que terá uma obra cheia de sustância e conflitos dramáticos coerentes. Ou seja, não apenas é o maior acerto da franquia X-Men, como se aproxima de Batman: O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, no topo das melhores produções baseadas em quadrinhos de todos os tempos.

Logan se passa num futuro muito distante da realidade apresentada na conclusão de X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido. Os mutantes estão praticamente extintos, restando apenas Wolverine e Charles Xavier, que vivem isolados e esperando para poderem descansar em paz. Mas uma inesperada visita, coloca os dois em uma última aventura juntos para salvar a vida de uma jovem mutante.

Tanto o diretor James Mangold quanto o protagonista Hugh Jackman afirmam que esse foi o canto do cisne do personagem nos cinemas. Se isso corresponde com a realidade, somente o futuro dirá. O importante é saber que existe um tom forte de encerramento no longa-metragem, o que colabora diretamente com o envolvimento maior do público. Querendo ou não, Wolverine faz parte da vida dos cinéfilos desde 2000. São 17 anos convivendo com o personagem. Isso não significa que os marinheiros de primeira viagem não conseguirão apreciar Logan, claro. A obra funciona perfeitamente para quem nunca ouviu falar de X-Men antes. Só que o impacto emocional será menor, obviamente.

Apesar de ser recomendado para amantes do cinema de ação e aventura, assim como seus iguais do universo da Marvel, Logan consegue se destacar por apresentar um arco dramático incomum em produções desse sub-gênero. Existe uma relação paternal muito forte entre Wolverine e Xavier, que nos faz olhar de um jeito diferente para as cenas em que os dois contracenam juntos nos longas anteriores. A profundidade da conexão e do amor entre os dois fica explícito pela primeira vez.

Mas para fortalecer isso, o roteiro brilhante trabalha muito com a questão da velhice e seus efeitos. Xavier entra em cena num estado lastimável, que dá o maior aperto no nosso peito. Na medida em que a história se desenvolve, nós vamos descobrindo – sem que o roteiro entre em detalhes – que algo muito ruim aconteceu e que o professor X está sofrendo com uma doença degenerativa. Wolverine é o único mutante que restou para cuidar de Xavier, mas ele também está lidando com seus próprios problemas: além de ter envelhecido, seu poder de regeneração não funciona mais como antes. Somado com o trauma e a tristeza com a condição de Xavier, Wolverine começa a descontar sua insatisfação com doses homéricas de muita bebida.

O roteiro de Logan dá uma aula para a Marvel, que falhou miseravelmente ao tentar trabalhar o alcoolismo de Tony Stark em Homem de Ferro 2. Desde então, as produções do universo dos heróis raramente tenta se aprofundar em questões delicadas da psicologia de seus personagens, o que acaba resultando numa série de filmes iguais e repetitivos, nos quais raramente recebemos algo capaz de conquistar cinéfilos de verdade ao invés de apenas amontoar jovens que acreditam que o cinema se resume aos filmes de heróis. Logan possui uma forte pegada dramática somente percebida na trilogia O Cavaleiro das Trevas, e ainda assim, não deixa de ser um excelente longa de ação.

Quase me esqueço de mencionar que também existe a relação paternal com a pequena Laura (Dafne Keen), uma mutante criada em laboratórios com os genes do próprio Wolverine. Inicialmente, ele rejeita a “filha”, mesmo com os pedidos de Xavier, mas aos poucos vai aceitando sua responsabilidade e cria uma conexão com a pequena, que é tão selvagem quanto ele já fora no passado.

Outro detalhe curioso a ser debatido aqui é sobre a questão da extinção mutante. Que triste a sina daqueles que nascem diferentes dos padrões da sociedade. É como se os eventos de Dias de Um Futuro Esquecido tivessem sido apenas adiados, como se o fim dos mutantes fosse algo inevitável. Logan toca numa ferida atual nos EUA, com a questão do presidente Donald Trump vetando vistos e perseguindo imigrantes, mas se encerra com um grupo de jovens representando a esperança de dias melhores através de uma resistência pacífica.

Logan é, desde já, um dos filmes obrigatórios de 2017. Combinando questões dramáticas envolvendo envelhecimento e relações paternais com muita violência gráfica (o sucesso de Deadpool contribuiu demais para a Fox acreditar nesse projeto e permitir um roteiro tão ousado), essa é a história solo do Wolverine que todo mundo precisava assistir e não sabia. Que filme.