Os diretores de TV: Parte 1

“O diretor, em televisão, não significa absolutamente nada. Ele é só o cara que chega, corta para a câmera A, alterna para a B, dá um esporro e volta para casa”. Assim me foi dito por um veterano, em um estabelecimento do Leblon, depois de algumas ‘caipis’.

Acho que ele foi generoso.

O diretor de televisão é, antes de tudo, um grande problema. Com certeza que a plástica é importante. A estética. Mas é também comprovado que a masturbação imagética não funciona em séries e em novelas – que estão a serviço do roteiro. A exceção pode ser aquelas minisséries meio operísticas, que podem ou não dar audiência, do Luiz Fernando Carvalho. Mas ele é o que ele mesmo chama de “diretor-autor”. Uma coisa Cahiers du Cinéma que é anacrônica, mas que pode ser explicado pelo fato de que Luiz Fernando é também um roteirista. Nem sei se ele sabe redigir, mas tem alma de roteirista.

Pouca gente sabe, mas quando Benedito Ruy Barbosa saiu do ‘showrunning’ de sua própria novela Esperança (2002), tendo assumido-a Walcyr Carrasco, a equipe recebeu o script com a seguinte observação em um bilhete: “Atenção elenco, a partir de agora cenas e falas estão sujeitas a alterações de última hora, conforme orientações do supervisor de Texto, senhor Luiz Fernando Carvalho”. (O próprio Walcyr trabalhou com outro diretor-criador famoso e muito mais importante, Walter Avancini.)

O autor Benedito Ruy Barbosa e o diretor Luiz Fernando.

Luiz Fernando foi demitido da Globo. Demitido é uma palavra feia. O contrato dele não foi renovado e ele agora vai trabalhar por contratos específicos a eventuais obras (duvido que elas surjam, a não ser por co-produção). Fato é que os colegas dele têm seus contratos renovados. E poucos são tão diferentes, como realizadores, como Luiz. Para o bem e para o mal.

Um amigo meu dizia: “Ricardão, o Luiz Fernando é louco. Louco. Ele chega alucinado, pinta o próprio cenário, desmaia na ilha de edição, sai na porrada com todo mundo, nunca cumpre os planos. Trabalhar com ele é um pesadelo. Já saímos no soco várias vezes. Já dividimos as mesmas mulheres. Voltamos a sair no soco. Mesmo assim, eu prefiro trabalhar com gente como ele. Porque ele é um gênio.”

Não é o que pensam os mais recentes responsáveis pela área de Entretenimento e Dramaturgia Diária da emissora. Manoel Martins, o primeiro, vetou Hoje É Dia de Maria (2005) por anos, até que o ex-executivo no cargo, Mário Lucio Vaz, às vésperas de sua aposentadoria, intercedeu para sua exibição. Silvio de Abreu, o atual encarregado, mandou Luiz reformatar toda a estética e (até) a narrativa de Velho Chico (2016). Luiz Fernando discordou e desobedeceu. Acabou que… acabou.

Luiz Fernando Carvalho chegou à Globo pelas mãos do supracitado Avancini, que o contratou para uma experiência como assistente de Direção de Grande Sertão: Veredas (1985). No ano seguinte, foi para a extinta Manchete, cujo departamento de dramaturgia estava sendo chefiado pelo brilhante, saudoso ator e showman José Wilker (1944-2014). Dirigiu Carmem, de Glória Perez, que indicou o amigo a Mário Lucio, na Globo. E Luiz, depois de dirigir também Helena (1987), ainda na Manchete, foi para o Jardim Botânico como co-diretor de projetos do núcleo do também-saudoso Paulo Ubiratan (1947-1998).

A autora Glória Perez e o executivo Mário Lucio Vaz.

Reza a lenda que, em 1993, Roberto Talma iria supervisionar a produção da novela que marcaria a volta de Benedito à Globo, depois do sucesso Pantanal (Rede Manchete, 1990). Talma estava dirigindo De Corpo e Alma, de Glória Perez (1992), e a filha de Glória, Daniella, foi assassinada no meio da produção por um sociopata que fingia ser ator. Em evidente estresse, Roberto Talma assumiu a direção-artística de Renascer, portanto, mas indicou um nome absolutamente desconhecido para ser o diretor-geral da mesma. “You guessed it”: Luiz Fernando Carvalho.

O lendário diretor Roberto Talma (1949-2015)

Tudo certo com Talma e Mário Lucio, faltava uma última etapa.

Luiz era um jovem deprimido e tímido que tinha um encontro marcado, uma reunião a portas fechadas com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o maior executivo da história da televisão brasileira, vice-presidente de Operações da Globo.

Enquanto falava ao telefone, despachando, mandando todo mundo à merda, aparentemente ríspido e bastante mal humorado, Boni mandou Luiz se sentar enquanto ele terminava tais ligações. Luiz começou a folhear revistas para passar o tempo – uma delas se chamava National Geographic. Era aquela revista muito famosa, pré-internet, por trazer imagens de fotógrafos internacionais sobre animais silvestres e lugares sensacionais com ótima luz e excelente enquadramento. E os minutos foram passando…
Boni terminou de falar ao telefone e se virou ao jovem:

– E aí, o que é que você quer? – rosnou para o menino – que já tinha hora marcada para falar sobre o comando da próxima novela das oito. Era uma provocação.
– Eu? Olha, eu quero te dizer que nessa revista aqui – abriu e mostrou a National Geographic -, só nessa revista aqui, tem mais qualidade visual do que na sua rede de televisão inteira.

Foi contratado.

O mega-executivo Boni (à direita), novamente com Mário Lucio

A paixão de Luiz Fernando Carvalho, o atrevimento de Luiz Fernando Carvalho, a descompostura de Luiz Fernando Carvalho, a maluquice de Luiz Fernando Carvalho, renderam a ele um contrato como diretor-geral de Cena (e futuramente diretor de Núcleo – quando havia poucos diretores de Núcleo na emissora, em 1995) e a simpatia do mais poderoso de todos os chefões da TV latino-americana, quiçá mundial. Mas esses mesmos atributos foram agora a sua ruína, em tempos de crise. Não foi só a crise. A TV mudou.

Na próxima coluna irei falar sobre outro diretor, também genial mas ainda mais habilidoso e muito mais simpático que Luiz. Outro Fernando. Jorge Fernando.


RICARDO MONTALBAN foi ator na Ilha da Fantasia, surfista, capoeirista e também roteirista de TV. Hoje encontra-se reabilitado do mercado de novelas, minisséries e outros vícios, mas pode sofrer uma recaída a qualquer momento.