O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e Seu Amante


(The Cook the Thief His Wife & Her Love) De Peter Greenaway. Com Michael Gambon, Helen Mirren, Alan Howard, Richard Bohringer, Tim Roth
Sempre que se lê ou se ouve algo sobre Peter Greenaway a palavra “plasticidade” aparece. De fato a produção do diretor gira em torno de ideais pictóricos que tornam seus filmes belíssimos, não apenas pelas histórias que contam, na maioria das vezes muito particulares, mas também pelo efeito que causam. O tempo todo o que se vê é um cuidado com a concepção de cada cena, com o enquadramento, iluminação, figurino. Enfim, é um diretor marcado pelo apelo estético de seus filmes, o que acabou tornando-se sua marca registrada.
Poderia recomendar O Livro de Cabeceira, filme de 1996 com um Ewan MacGregor jovem e sensual. Seria uma boa escolha. Mas é inegável que este O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e Seu Amante é sua obra prima. A história fala sobre diversas formas de prazer, e como as pessoas acabam se subjugando a elas: o prazer sexual, o prazer intelectual, o prazer do paladar… Todos acabam de interligando de alguma forma em O Cozinheiro… mas é inegável que se faça uma espécie de hierarquia entre eles.
O título quase resume o enredo: Albert Spica (Michael Gambon, assustador, bizarro e odioso) é um gângster/dono de um restaurante, onde pode exercitar sua crueldade na medida em que acredita que o dom de saber se portar à mesa é algo dado a poucos, e aquele que o pertence tem o direito de ser cruel e impiedoso. Sua mulher Georgina (uma Helen Mirren belíssima, na flor da idade, sensual e delicada) busca uma forma de refúgio em um amante, Michael (Alan Howard), freqüentador do restaurante, e um grande admirador de livros. Enquanto um a domina pela violência, pelo dinheiro e pelo poder, o outro a encanta pela inteligência e pela sexualidade que nela desperta. Seus encontros acontecem nos meandros da enorme cozinha do lugar, devidamente respaldados pela proteção do chefe de cozinha (Richard Bohringer).
Tendo sempre a idéia de um teatro filmado, o filme se passa a maioria do tempo num galpão. O que se tem são travellings que caminham elegantes pelos ambientes, situando os personagens numa aura de glamour (os figurinos são desenhados por Jean-Paul Gaultier) e sensualidade, ao mesmo tempo em que estão sempre pequenos dentro de um espaço que parece os engolir. Fora do ambiente refinado do restaurante (a dispensa, o banheiro, o exterior) todos deixam a etiqueta, e abraçam o instinto.
Com poucos closes, até a sonoplastia lembra um espetáculo teatral, muito bem montado e milimetricamente pensado com uma única finalidade: a beleza. Além disso o filme é repleto de passagens belíssimas relacionando comida e ser humano: comer é dominar, é antropofagizar, é se mostrar superior, sentimento que fica implícito o tempo todo quando se tenta dominar não a comida, mas o outro. A todo o momento é esta relação estranha entre gastronomia, poder e sexo que está implícita no filme. No final (tão belo quanto grotesco e forte) o que se tem é uma vingança dos personagens e do espectador. Filme indispensável. Assistam…