O tema perdas na família já foi retratado imensas vezes nas telonas. Seja de forma mais explosiva e pop-caricaturada como em “Elizabethtown” (Cameron Crowe-2005), Seja de forma mais introspectiva e contemplativa como em “Departures” (Yôjirô Takita-2008), ou até mesmo com excesso de credibilidade como no recente “Além da Vida” (Clint Eastwood-2010); mas acreditem quando se perde a mão do roteiro e da direção, fica muito complicado de levar à frente um filme com um tema tão delicado.
A Árvore e Reencontrado a Felicidade são dois grandes exemplos do que fazer e do que não fazer para se tratar de um tema como este. Ambos estreando por esses dias aqui no Brasil (o primeiro já estreou e o segundo entra mês que vem nos cinemas nacionais), os filmes tratam desse tema clássico que trás sempre consigo uma dose carregada de drama e emoção, e depende sempre de uma boa atuação para não carregar os personagens de estereótipos.
A fórmula é quase que a mesma, agora, o caminho seguido por cada um dos roteiristas determinou em cheio o frescor e brilhantismo de um e o peso e agonia de outro. Uma atriz de peso para carregar a maior parte da dor e do drama nas costas, confere. No primeiro caso uma Charlotte Gainsbourg com o mesmo frescor e uma intensidade da atuação que lhe deu destaque em “Anticristo” (porém não tão carregada); no segundo caso uma Nicole Kidman apagada, sem o brilho dos tempos áureos, e lutando para frutificar um roteiro praticamente estéreo (isso mesmo, ela teve que tirar sangue de pedra).
Os outros ingredientes são bem parecidos também. Coadjuvantes com papéis brilhantes, carregando a carga questionadora do filme (como se fosse a luz na escuridão); uma perda de um ente querido, como já disse, no caso de A Árvore o chefe da família, e no caso de Reencontrando a Felicidade o filho querido; e por fim a dor, a negação, a vida que continua que são da mesma forma abordados nos dois.
Mas as semelhanças ficam por aí. Em Reencontrando a Felicidade a incapacidade do roteirista David Lindsay-Abaire de criar elementos criativos na narrativa, deixou o filme arrastado, cansativo e acredite, sem nenhuma criatividade. Com escolhas óbvias e sem pontos de fuga ele nos apresenta Becca (personagem da Nicole), que não é explosiva, tem um temperamento calmo, mas ao mesmo tempo propõe que a atriz extraia drama de uma personagem que não é dramática, surgindo aqueles choros do nada parecendo dramalhão mexicano.
Em A Árvore Julie Bertucelli que já tinha tratado do tema com brilhantismo em “Desde que Otar Partiu”, propõem elementos que dão grande frescor à obra como a grande árvore que a família possui no quintal que passa a ser o centro das atenções dos membros da família com o seu crescimento desenfreado. Charlotte Gainsbourg está incrível na pele de Dawn. Sofre todas as etapas da perda com extremo vigor. Sofre o choque, a negação no velório, os dias sem querer sair da cama ignorando os filhos, e logo depois seguindo em frente com sua vida, tudo com muita intensidade.
Para brincar com a personagem principal em Reencontrando a Felicidade o diretor John Cameron Mitchell separou um Aaron Eckhart (que faz Howie, marido de Becca) sem vida, sem graça e com uma atuação bem mediana; o ator que era pra fazer o ponto oposto e extravasar em emoção não consegue superar suas limitações (certamente a melhor performance que eu já ví do ator, mais ainda assim insuficiente). John Cameron também convidou duas brilhantes participações: a incrível Dianne Wiest, responsável pelos ápices do filme (quando a Becca começa os diálogos com a mãe realmente parece que o filme vai engatar, mas logo depois volta ao normal); e um ator novato chamado Miles Teller que esbanja talento na pele do sensível Jason, assassino do filho do casal que começa a ter uma relação muito singela com Becca, proporcionando algumas das poucas cenas que dá gosto de ver no filme. É de Jason o Gibi “Rabbit Hole” que dá o nome original do filme e também é dele o pouco encanto e imaginação que existe na história.
Já em A Árvore Julie separa pra contracenar com Charlotte uma simpática e talentosa menininha chamada Morgana Davies que faz Simone, a filha de maior destaque da família. A menina sofre todas as etapas da perda também: a negação da perda, a projeção do ente querido (quando ela se imagina falando com o espírito do pai), e o complexo de édipo (quando impede à mãe de ter um novo relacionamento). Julie também chama o ator Marton Csokas, conhecido pelo elfo Celeborn em senhor dos anéis, que faz o novo amor de Dawn. Mas mais do que isso ele será a pessoa que colocará em cheque toda a família fazendo com que os próprios se indaguem sobre o momento em que estão passando, e se realmente vale manter alguns valores e tradições que possuíam como a imensa árvore no jardim.
Em Reencontrando a Felicidade o roteirista e consequentemente os personagens não encontram seu caminho para superar a dor. Parece que ficam travados o tempo todo, comprometendo a história que fica praticamente estática. Escolhas óbvias são recorrentes como a irmã grávida, o marido infiel, a mãe sábia, o conflito com o assassino… O filme não chega a ser um clichezão, já que os personagens são bem peculiares, porém retratados de uma forma chata, sem criatividade e bem morna (parece intestino sem activia).
Ao contrário disso A Árvore acha o seu caminho para a felicidade. O filme flui de uma maneira incrível. As várias facetas da perda, com cada filho encarando de uma forma, como cada um ao seu tempo retoma sua vida, o desenho particular e muito bem feito (de cada personagem detalhadamente), e as incríveis reviravoltas que o filme tem por causa da árvore, dão ao filme uma cara de drama sim, mas drama bem vivido.
Enfim… Sejam nos subúrbios americanos ou no interior australiano a pedida para superar uma tragédia em um filme é a criatividade, muito mais importante que retratar os personagens, e isso A Árvore faz com maestria, já Reencontrando a Felicidade deixa muito, muito a desejar.
São 5 caipirinhas para ”A Árvore” e 3 para “Reencontrando a Felicidade”.
Elenco: Nicole Kidman
Aaron Eckhart
Miles Teller
Sandra Oh
Tammy Blanchard
e Dianne Wiest
Ano: 2010
Duração: 1h e 30 min
Direção: Julie Bertucelli
Roteiro: Elizabeth J. Mars
Julie Bertucelli
Judy Pascoe (o livro: Our father who art in the tree)
Elenco: Charlotte Gainsbourg
Marton Csokas
e Morgana Davies
Ano: 2010
Duração: 1h e 40 min