Crítica: Até o Último Homem (2016)

MEL GIBSON É UM CARA DETESTÁVEL POR BOA PARTE DO PÚBLICO. Graças aos seus acessos de fúria no passado envolvendo atitudes machistas, homofóbicas e antissemitas, o astro da franquia Máquina Mortífera ficou no limbo de Hollywood por anos. Seu retorno começou com a ajuda da amiga Jodie Foster no sensível Um Novo Despertar (The Beaver, 2011), e agora, Gibson deu a volta por cima com Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016).

O babaca que determinado artista pode ter sido (ou que ainda é diariamente) não cabem na avaliação de uma obra. Vários também tiveram a sua cota de problemas na vida fora da arte e cabe à justiça julgá-los. Como apreciador desses produtos artísticos conhecidos como filmes, seria um absurdo boicotar qualquer produção por valores morais. Que sejam todos punidos e impedidos de continuar com a carreira, mas o que produzem como profissionais continua merecendo a atenção, como é o caso dos trabalhos de Roman Polanski, Woody Allen, e mais recentemente Nate Parker, responsável por uma produção extremamente pertinente e que foi boicotada por conta dos seus crimes. Caso não tenha visto, recomendo fortemente que assista Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation).

O seu trabalho como diretor em Até o Último Homem recebeu reconhecimento da Academia com uma justa indicação ao Oscar de Melhor Diretor. Mais que um sinal que Gibson está perdoado, é a oportunidade do Oscar premiar o diretor mais competente entre os indicados. E olha que torço muito por Denis Villeneuve ou Damien Chazelle (grande favorito), mas os horrores da Segunda Guerra Mundial retratados da forma que Gibson se mantém como meu favorito.

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Polêmicas a parte, Até o Último Homem apresenta a história de mais um grande herói de Guerra dos Estados Unidos. Assim como em Sniper Americano, de Clint Eastwood, acompanhamos a vida de um soldado que se dedica completamente para fazer o seu melhor durante os confrontos. As semelhanças no entanto ficam por aí. Ao contrário de Chris Kyle (personagem de Bradley Cooper em Sniper Americano), Desmond Doss (Andrew Garfield) é um jovem com valores morais e religiosos que o impedem de querer tirar a vida de outra pessoa, mas mesmo assim se alista no exército para lutar na Segunda Guerra.

Doss sofreu com traumas na infância e no começo da sua vida adulta, e acabou se tornando um tipo de pacifista. A atitude correta dele seria ficar em casa de boa, ao invés de ir para o inferno, mas ele acreditava que podia ser um médico e tinha certeza de que não precisaria pegar numa arma para ajudar a salvar vidas nos confrontos. Sua ideologia acaba transformando a sua vida no exército num caos, com diversas agressões físicas e morais, até que ele mostra o seu valor salvando a vida dos colegas e sendo reconhecido por sua bravura, resiliência e bondade.

Curiosamente, o desenvolvimento do roteiro e sua mensagem moral são muito parecidas com o que o próprio Andrew Garfield interpreta em Silêncio, de Martin Scorsese. Para ser mais direto no que estou escrevendo, Mel Gibson fez o primeiro filme sobre Jesus Cristo na Guerra. É bem isso. É irônico, claro, afinal estamos falando de algo dirigido por Mel Gibson, que colocou a jornada do herói em prática para produzir uma obra quase tão boa quanto Coração Valente e que dribla bem os seus clichês.

A narrativa lembra bastante o clássico Nascido Para Matar, de Stanley Kubrick. Com uma referência óbvia dessas, dificilmente poderia dar errado. Vince Vaughn assume o papel do sargento demoníaco com a missão de torturar psicologicamente seus soldados e faz isso com uma qualidade absurda. O mesmo pode ser dito do trabalho de Sam Worthington. Ambos interpretam os verdadeiros “vilões” de Até o Último Homem até encontrarem a redenção ao reconhecerem a coragem de Doss.

Além de todo esse papo de heroísmo e insistir em suas próprias crenças para cumprir seus objetivos, o maior trunfo do longa-metragem está no alucinante confronto que domina a segunda parte da história. Nem O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, ou Corações de Ferro, de David Ayer, duas produções que se destacam pelo realismo nas cenas, conseguem impressionar mais do que o começo da ação envolvendo os soldados lutando contra os japoneses. Chocante é a palavra para descrever o que a genialidade de Gibson captura.

Até o Último Homem é um filme obrigatório para qualquer cinéfilo entusiasta com produções que retratem a Segunda Guerra Mundial através da perspectiva dos heróis da vida real. Conhecer a história de homens e mulheres que tiveram papel fundamental nesse triste episódio da humanidade é sempre inspirador – especialmente quando temos um diretor competente e um elenco afiado.