Abraços Partidos

(Abraços Rotos) De Pedro Almodóvar. Com: Lluís Homar, Blanca Portillo, Penélope Cruz, Tamar Novas, José Luis Gómez.

O Almodóvar de Abraços Partidos, seu mais recente trabalho, está nos detalhes e não no todo. Continuam as cores, o clima misterioso, tenso. Mas aqueles universos tão genialmente criados por ele, tão ricos, e que mesmo sendo particulares guardam inúmeros desdobramentos narrativos, cedem lugar a uma bela história de amor. “Apenas”. Por que isso não é suficiente?

A graça de ver um filme de Almodóvar é se surpreender com o corriqueiro, com o prosaico da vida daqueles personagens que se revela, e ao se revelar, se torna poético. A poesia de Abraços Partidos faz o caminho inverso pra se mostrar enquanto tal. Não deixa de ser poesia. Mas fica certa impressão de gratuidade. O que não tira a sua beleza, mas talvez sua utilidade para a história. Será mero exercício de estilo?

Falando da tal história, o que vemos é um flash back que revela quem é Harry Caine (Lluiz Homar), roteirista sedutor e cego, que fora Mateo Blanco em outros tempos. Mateo se foi junto com sua amada Lena (Penelope Cruz), quando esta morreu em um acidente em que ele estava presente. O que lhe restou foi apenas a cegueira. E este alter ego que parece manter certo papel de simulacro sobre esta história de amor bonita, forte e avassaladora, mas fatal e mal resolvida. Mateo e Lena estão intocados, na memória de Harry Caine.

Quando o passado bate à sua porta sob a forma de um aspirante à diretor que deseja realizar um filme cujo enredo remete a uma vingança contra a memória de seu pai dominador, também as reminiscências deste passado retornam. A busca pela última imagem da mulher amada remete não só ao amor que sente por ela, mas também ao resgate desta capacidade de ver, já imortalizada na figura de Lena, última coisa que vira. Além de Lena, o próprio Mateo Blanco seria revivido por Harry Caine.

O problema é que algumas revelações são desnecessárias (a cena do jantar de aniversário de Mateo é muito descartável, assim como a cena posterior, a do café da manhã entre mãe e filho), e também alguns personagens, como o filho da produtora de Mateo (ou Harry, não me pergunte) que parece ter sido criado apenas como canal para que a história seja contada.

O personagem de Mateo poderia ser mais bem interpretado por um Javier Bardem da vida embora Luiz Llomar tenha tido bom desempenho em Má Educação, mas naquele caso a sensibilidade não era tão exigida quanto neste filme. Penélope Cruz como sempre é surpreendente… Não há como resistir à sua figura, frágil, e forte, bela, afetuosa, e em alguns momentos perversa. E como sempre bela. Destaque para a cena de sexo entre os dois: sensual, instintiva, nada coreografada. Total entrega de ambos. Devoção e inspiração.

Interessante é a recorrente referência ao cinema que tanto é cara à Almodóvar. Dois filmes: um em que se desenvolve a relação de amor entre diretor e atriz, e outro onde se evidencia o amor destes, aos olhos de quem foi traído. Fato que é responsável por uma das cenas de humor quase negro do filme, onde uma leitora de lábios revela as palavras dos dois amantes. E que também proporciona uma das (talvez a maior delas) cenas mais bonitas e impactantes de Abraços Partidos: registro do real e o real em sim se encontram, e Lena dubla a si mesma, diz as palavras que dariam fim àquela relação que se tornara insustentável. Lindo.

Não se pode deixar de falar da trilha, deliciosa desde os eletronicozinhos executados pelo personagem de Diego (Tamar Novas), até Werewolf de Cat Power ao fundo enquanto os dois amantes buscam por um refúgio onde possam viver seu amor.
O fato é que Almodóvar está mudado. Seus fãs nem tanto. A última (e arrepiante) frase do filme que diz que “os filmes tem que ser terminados, mesmo que às cegas” pode dizer muito nesse caso. Não é nem de longe o melhor filme do diretor, mas também nem de perto é o pior. Eu recomendo.