Filme: Ninguém Ama Ninguém…Por Mais de Dois Anos (Mostra de SP 2015)

Ninguem Ama Ninguem por mais de dois anos2

O SENSO COMUM DESCREVE A OBRA DE NELSON RODRIGUES COMO MACHISTA. Em pleno 2015, no momento em que todos brigam por suas causas e por um mundo mais justo, existe uma lei velada que exige de todos um determinado comportamento. Não se pode fazer isso ou aquilo, falar sobre tal assunto ou usar tal palavra. O politicamente incorreto virou marginal. E para se adaptar um texto de Nelson Rodrigues nos dias atuais é preciso ter coragem e força de acreditar que as pessoas enxergarão além.

Em Ninguém Ama Ninguém…Por Mais de Dois Anos, de Clovis Mello, acompanhamos uma tradicional história do escritor com todos aqueles elementos que nós estamos acostumados: sexo, machismo, futebol, tesão, dentre outros. A antologia conta a história da vida íntima de cinco casais. O cineasta optou por entrelaçar cada uma delas, criando assim uma atmosfera mais convincente e que convida o espectador a fazer parte da narrativa e querer saber mais sobre cada personagem apresentado.

Existe certa preguiça de entender que a obra de Rodrigues é uma paródia do comportamento da sociedade brasileira hipócrita. O escritor costumava dizer que se cada um de nós soubesse da vida sexual um do outro, não apertaríamos a mão de ninguém. O fato de seus personagens serem machistas não significa que a obra em si seja ofensiva para mulheres, afinal de contas, todos os homens apresentados são usados e tratados como peões nas mãos de cada uma das atrizes que atua na produção, com destaque para a ninfomaníaca vivida por Gabriella Duarte. Ninguém Ama Ninguém… Por Mais de Dois Anos mostra o quanto os personagens masculinos são patéticos e reduzidos a praticamente nada diante a inocência falsa de suas esposas, que fazem cada um deles pagar por suas atitudes.

A estreia de Clovis Mello na direção (anteriormente, o cineasta trabalhava apenas no mundo da publicidade) acerta em capturar a essência desses homens fracos e que oprimem na mesma medida em que são oprimidos (vide o personagem vivido por Marcelo Faria). Seu trabalho é eficiente ao não se enrolar no desenvolvimento da narrativa e afetar a construção de seus personagens. Após contextualizar o espectador sobre quem são aquelas pessoas e o que querem, o filme não faz firula e mostra logo o meio e o fim das suas respectivas histórias.

Em tempos delicados e com pouco espaço para o tipo de humor ácido e sexual de um autor do calibre de Nelson Rodrigues, é uma grata surpresa ver um cineasta iniciante chutando a porta com uma obra que dificilmente será um sucesso comercial, mas que certamente conquistará o coração daqueles que entendem que é permitido discutir o machismo com uma obra que brilhantemente mostra o pior que existe dentro de boa parte de nossa sociedade – e não faz questão nenhuma de ser hipócrita ou dar final feliz para quem não presta. Não abordar o tema com essa audácia que é irresponsabilidade.

Nelson Rodrigues ficaria orgulhoso de ver a maneira crua e objetiva que seus textos foram adaptados. E nós, admiradores do politicamente incorreto, vamos rir horrores enquanto queimamos nossas almas na tábua de assar jiló.