Histórias de Terror para Contar no Escuro

Quando capturados pelo horror, estamos sujeitos ao pavoroso, ao absurdo e ao escatológico – sem a promessa de alívio até que a última cena ou parágrafo chegue ao fim. Não importa o quão absurda soe uma história ou o quão fatal seja o destino que aguarda suas personagens: continuaremos lá, pois aquilo que nos apavora também nos fascina. Esse foi o sentimento experimentado por Guillermo Del Toro quando, na infância, conheceu os contos reunidos em “Histórias de Terror para Contar no Escuro”, escritos por Alvin Schwartz e ilustrados por Stephen Gammell em 1981. Agora, sob sua produção e direção de André Øvredal, eles chegam às telas de cinema – e honram aquilo que se dedicam a despertar.

 

Esse mesmo misto de temor, encanto e perversa curiosidade é o que leva jovens a invadirem casas abandonadas em noites das bruxas ou a roubarem o caderno de sua falecida moradora – o que é suficiente para desencadear os acontecimentos da trama. O quarteto de protagonistas formado por Stella (Zoe Margaret Colletti), Ramón (Michael Garza), Auggie (Gabriel Rush) e Chuck (Austin Zajur) desperta, assim, o sanguinário, revanchista e criativo imaginário de Sarah Ballows, espírito responsável por aterrorizá-los. Injustiçada em vida, Ballows usa e abusa do poder de redigir histórias em sangue, colocando na mira de sua decisão as quatro personagens citadas. Expressado nos contos, seu desejo de vingança é exprimido na vida real.

Num contexto de maior inocência e escassez de informação, na pequena e afastada Mill Valley de 1968, o grupo de adolescentes está cercado pela Guerra do Vietnã e pela iminente eleição de Richard Nixon, elementos que a produção, sem maior profundidade, ensaia colocar em cena – bem como a xenofobia sofrida por Ramón, um “forasteiro na América”, tal como são Øvredal e Del Toro -, e por praticamente nada mais. Ainda que sem o mesmo vigor de “Invocação do Mal”, Histórias de Terror para Contar no Escuro sabe se apropriar da atmosfera de seu contexto para criar suspeições e impulsionar o temor do público. Sem ter a quem recorrer ou denunciar, os protagonistas estão à deriva, num uso eficaz do imbatível “Mal de Derry”, criação de Stephen King para “It: A Coisa”: “Um estado coletivo de indiferença aos males e injustiças que nos cercam.” A máxima da cidadezinha que abriga a maldição do palhaço macabro se aplica a Mill Valley, bem como a tantas outras da ficção. 

 

Nessa terra de ninguém, do jovem bully transformado em espantalho ao rapaz perseguido por um cadáver que busca reaver o seu dedão do pé – nos segmentos “Harold” e “O Dedão do Pé”, exemplos de bom uso do absurdo pela narrativa -, nos despedimos pouco a pouco das personagens que povoam a narrativa numa ordenação que remete aos tradicionais filmes slasher: são vitimados o babaca, o cético, a ignorante e assim por diante. Tudo isso sob o protagonismo de criaturas verdadeira e acertadamente bizarras e monstruosas, revelando a influência de Guillermo Del Toro na obra. De acordo com o produtor, “todas as criaturas: a Senhora Pálida; Harold, o Espantalho; todas elas, 90% de tudo é físico.” A decisão pelo uso dos efeitos práticos, além de aproximar o longa-metragem das lendas tradicionais do horror e das tenebrosas ilustrações da obra na qual se baseou, atribuiu valiosa verossimilhança às ameaças surgidas em tela – condição atrelada ao eficiente trabalho da equipe de maquiagem para compô-las.

 

Tal como indicam os ensinamentos tradicionais de roteiro, Histórias de Terror para Contar no Escuro prepara seu desfecho ao compreender que um herói não poderá derrotar seu antagonista sem ter enfrentado os mesmos traumas que ele. Uma vez tendo perdido pessoas queridas e sofrido descrédito, a irregularmente interpretada Stella percorreu a jornada necessária para encarar Sarah Ballows, com quem compartilha o encanto por escrever obscuridades. O encontro dispensa a grandiloquência: as histórias, afinal, falaram por si. Mais um atestado do nosso fascínio por aquilo que nos aterroriza.

 

Histórias Assustadoras para Contar no Escuro

Scary Stories to Tell in the Dark. EUA/Canadá, 2019. De André Øvredal.

Veredicto do Buteco: ★★★½