O Rei Leão

NO DISTANTE ANO DE 1994 A MINHA EXPERIÊNCIA COM O CINEMA SE RESUMIA A BATMAN – O RETORNO, de Tim Burton. Faltavam dois anos para que nascesse o hábito de ir religiosamente ao cinema, o que aconteceu com Twister, de Jan de Bont, mas isso é uma outra história. Na época eu estava prestes a completar a minha primeira década de vida e dependia exclusivamente dos responsáveis para visitar o cinema, ou da minha avó. 

Por algum motivo oculto, eu não fui junto quando meu irmão e prima foram levados para conferir O Rei Leão. Claro que assisti ao filme assim que ele foi lançado naquelas locadoras de bairro. Na época existiam de três a cinco locadoras em cada bairro. Curioso pensar o quanto a história mudou 20 anos depois. 

Ao contrário da maioria das crianças, O Rei Leão não me tocou. Talvez por conta das insinuações homofóbicas da minha tia, que insistia em dizer que Mufasa (dublado por James Earl Jones, o Darth Vader da saga Star Wars) era gay. Aliás, ela dizia que todos os leões do filme estavam mais para o Bambi do que para reis da selva. Essa experiência traumatizante acabou minando meu interesse até mesmo na filosofia zen de Timão e Pumba, que eram os personagens mais adorados do desenho. E mais marcantes também. Basta dizer “hakuna matata” na rua e a maioria das pessoas será capaz de dizer de onde veio a frase. Sem falar que é uma bela filosofia de desapego até para os dias de hoje, quando a vida adulta e suas responsabilidades batem em nossos ombros. Ouso dizer que o “hakuna matata” tem muito mais sentido hoje do que tinha em 1994. 

Aproveitando que o 3D é a melhor oportunidade de ganhar dinheiro fácil com produtos já antigos (Titanic 3D vem aí), a Disney escolheu relançar o clássico para uma nova geração. O uso do 3D é completamente desnecessário, mas isso não é novidade. Além de ser muito fraco, são poucas as cenas em que o recurso pode ser aproveitado de verdade. A sensação que fica é de “bem, nós sabemos que você já assistiu isso, mas o seu filho não. Que tal levar a criança para conferir no cinema para compensar o que a sua avó/mãe não fez por você?”. Vale ressaltar que no meu caso o tiro saiu pela culatra: nem filho eu tenho e apesar da minha companhia ter cantado a música do “Hakuna Matata”, garanto que ela é maior de idade e já havia assistido ao filme na infância. 

Então, você pode perguntar: Qual a graça de conferir essa versão 3D? Eu posso responder que é apenas para matar saudade de um tempo distante, relembrar o passado e curtir um desenho animado antigo e clássico. Confesso que até havia esquecido daquela mania irritante de incluir músicas em todas as cenas, transformando a aventura do leão gay (ou quase) em um musical. É entediante. Principalmente quando as músicas são dubladas e a melhor faixa fica guardada para os créditos finais. Tive que esperar o filme inteiro para ouvir “Can You Feel the Love”. Serei legal e colocarei a música logo abaixo: 


Trivialidades a parte, O Rei Leão conserva o que tinha de melhor na época: um filme sobre cometer erros, fugir e retornar com mais força. Ok. Posso forçar a barra e citar um filme com uma premissa parecida? Que tal Tudo Acontece em Elizabethtown, de Cameron Crowe? Tanto o Simba quanto o personagem de Orlando Bloom tem que lidar com a morte do pai/um grande fracasso, buscam refúgio e precisam de tempo para se reencontrar e perceber que não podem fugir de seus destinos. Tudo bem, apesar de amar esse contestado filme de Crowe, admito que forcei a barra, mas a “moral” da trama é essa mesma. Por melhor que seja a filosofia do desapego de Timão e Pumba, ela não é capaz de preencher a vida de Simba, que está destinado a ser o Rei Leão de toda a terra que é tocada pelo sol. 

O Rei Leão consegue agradar mais o público mais velho que o infantil, que irá se deliciar com as piadinhas e as hienas chapadas numa eterna bad trip de ácido. Destaque para o malicioso Scar (dublado por Jeremy Irons) e a forma como ele manipula o sobrinho e arquiteta todos os planos que desencadeiam os eventos do filme. Provavelmente ele é o responsável pelos melhores momentos da produção, que é a prova do quanto a tecnologia evoluiu e permite inovações cada vez maiores nas animações.