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Crítica: Passageiros (2016)


O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deverá ser apreciado com moderação.

INICIANDO OS TRABALHOS EM 2017 FALANDO DE UM FILME MEIO POLÊMICO. O “Titanic do espaço” Passageiros (Passengers, de Morten Tyldum), como descreveu o amigo Tiago Paes de Lira (do blog Um Tigre no Cinema). É uma obra bobinha, cheia de problemas, mas que se garante como entretenimento para jovens fãs de Jennifer Lawrence e Chris Pratt.

Num futuro distante, uma empresa oferece viagens espaciais para outro planeta e deixa os seus passageiros hibernando para acordarem lindos e jovens mais de 120 anos depois de deixarem a Terra. Jim (Chris Pratt) é um desses passageiros, mas acaba acordando 90 anos antes do previsto e descobre que a sua viagem não foi bem sucedida. Aliás, o que ele descobre é que as vidas de todos os 5000 passageiros estão em risco.

Avisei lá em cima que teria spoilers. Pois bem. Eles começam a partir de agora. Se você ainda não viu Passageiros, sugiro abrir outro link no site e ler sobre os 10 melhores filmes de romance de 2016. Que tal?

Um dos pontos que geraram polêmica sobre Passageiros foi o sexismo apontado no roteiro por parte do público/crítica. E ele é bem compreensível, diga-se de passagem. Se você olhar apenas sob a perspectiva do protagonista, homem, branco e hétero – independente de ter o rosto do Chris Pratt -, é fácil colocar o Jim como um abusador babaca. Veja só: ele acorda sozinho numa nave espacial. Depois de se esforçar tentando voltar a dormir, ele aceita que irá morrer sozinho ali. Então, ele começa a se perguntar se não deveria acordar alguém para ser sua companhia. Mesmo se sentindo culpado por praticamente matar outra pessoa, ele segue em frente e acorda a coitada da Jennifer Lawrence, que permanece sem saber a verdade e o crime do cara com quem começou um romance (já que eles são as únicas pessoas acordadas naquela nave imensa).

Piora um pouco mais quando o roteiro brinca de batizar a personagem de Lawrence com o nome de Aurora. Qualquer semelhança com A Bela Adormecida não é mera coincidência. Aliás, voltando ao “Titanic do espaço”, Passageiros faz outras referências ao longa de James Cameron, como quando o “casal” diz algo como: “Se você pular, eu pulo.”

Com todos os detalhes acima, fica até difícil tentar contestar a visão de que Passageiros é um filme moralmente problemático. Mas isso acontece porque o protagonista é um cara. Se a protagonista fosse Aurora (e o nome seria outro, claro), ela também passaria pelo mesmo dilema moral e chegaria no mesmo ponto condenável. Quantas vezes já assistimos a produções sobre pessoas perdidas e sozinhas no espaço, e poderíamos apostar que eles tomariam a mesma decisão de Jim para combater a solidão? Mais que uma questão de sexismo, Passageiros fala mesmo é sobre decisões dolorosas mediante situações de grande stress. Ou egoísmo, se preferirem.

É preciso ser justo em dizer que Jim toma essa decisão momentos depois de quase cometer suicídio e que isso não lhe dá direito de comprometer a vida de alguém. O roteiro também não passa a mão na cabeça do personagem em momento algum, tanto que Aurora corta relações com o seu “assassino” assim que toma conhecimento da verdade. Quando Laurence Fishburne entra em cena, ele também condena a ação criminosa de Jim, que por sua vez, passa para o espectador todo o remorso pela escolha que fez para salvar a sua vida. Só que essas são discussões que a maioria do público-alvo de Passageiros não se preocupará em levantar.

As atenções estarão todas no romance bobinho, nos belos efeitos visuais (a sequência da piscina é uma das mais bonitas e tensas da trama), e no suspense para descobrir o que há de errado com a nave (o que acaba sendo uma justificativa do roteiro para o crime cometido por Jim: o que são duas vidas perdidas quando outras 5 mil são salvas?). O que é uma pena, já que blockbusters sempre são a melhor maneira de discutir essas questões tão sérias e importantes para o bom convívio e respeito entre homens e mulheres.

O grande problema de Passageiros, na minha percepção, está no Deus Ex Machina presente na breve participação de Fishburne. O personagem só existe para direcionar Aurora e Jim para resolverem os problemas na nave espacial. Quanto mais penso sobre isso, mais me incomoda a opção dos roteiristas terem preferido um caminho mais raso do que oferecer um verdadeiro desafio para trazer o espectador para dentro do ambiente de tensão e destruição que se aproxima.

(Para quem não sabe o que é Deus Ex Machina: “recurso dramatúrgico que consistia originariamente na descida em cena de um Deus cuja missão era dar uma solução arbitrária a um impasse vivido pelos personagens.” Agora você sabe e pode se exibir para os amigos e amigas)

Passageiros é uma excelente opção de entretenimento raso para quem está em busca de histórias de amor que vão para o espaço. Tive a intenção de fazer o trocadilho, sim. Com uma dupla de protagonistas inspirados, que até tornam mais suportável a falta de inteligência no roteiro, o longa-metragem funciona com seus efeitos especiais e senso de humor leve. Para pessoas mais exigentes, talvez seja melhor aguardar para assistir daqui a alguns meses no conforto de casa e discutir se existe ou não excessos sexistas na narrativa, porque isso é a provavelmente a única coisa que vale ser discutida sobre a obra.